O que desejam as meninas?

Quando Freud se questionou sobre o que, afinal, desejavam as mulheres, criou uma profunda reflexão não apenas sobre o próprio desejo em si, mas também sobre aquilo que diferenciaria as aspirações masculinas e femininas.

Possivelmente aqueles que hoje se digladiam sobre ser, ou não, a feminilidade uma construção social tem suas doses de razão em ambos os lados da questão, pois a par de certas características inatas – apenas o sexo feminino pode gerar outro ser e amamenta-lo, sua constituição física é de maneira geral um pouco mais frágil (embora possa ser treinada arduamente para adquirir mais força), seu cérebro é menor, embora não menos inteligente – estão aí as exceções acima e abaixo da potencialidade cognitiva em ambos os sexos para comprovar – muito das chamadas sensibilidades das mulheres são edificadas no tipo de infância que propiciamos a elas de alguns anos para cá.

Afinal, com possível exceção da extrema pobreza, ao nascer uma menina, esta é embrulhada em laços e fitas cor-de-rosa, enfeitada como uma fada, e ensinada que precisará crescer com graciosidade, muita delicadeza e meiguice. Espera-se dela que seja romântica, sensível e de boas maneiras, e, enquanto aos meninos destinam-se os presentes que evocam a guerra, a destruição, a velocidade, a elas são destinados brinquedos que evocam o lar, os filhos, o cuidar de si e de outros.

O item “cuidar de si”, em particular, tem provocado um foco talvez excessivo no namoro, nas roupas, nas maquiagens, no ser uma mulher sedutora, para obter sucesso e ser admirada, e nisso as revistas ditas femininas colaboram bastante, fornecendo parâmetros na busca de uma estética padrão, muitas vezes difícil de ser alcançada.

Neste sentido, a boneca Barbie e suas similares constituem um modelo cruel: das altas, magras, cheias de acessórios que devemos sonhar possuir; e a partir de pouca idade, doze ou treze anos talvez, acumular insatisfações imensas com o próprio corpo e demais atributos. Por coincidência(?) é um pouco antes disso que meninas e meninos passam a distanciar-se em aptidões escolares básicas, como por exemplo em matemática, que a princípio são iguais, mas das quais muitas passam a fugir sistematicamente.

É claro que não são muitas as crianças que poder ter acesso a estes produtos que propagandas tentam vender, e a boneca Barbie não está entre os mais acessíveis, mas o público todo consome os signos de sexualidade e de gênero apresentados, e isso produz formas de agir, de estar e se relacionar no mundo, e até de pensamentos, pois consumimos não apenas mercadorias, mas também valores de como deve ser nosso corpo, como devemos nos comportar, vestir e nos relacionar em nossa comunidade, mesmo ao considerarmos as várias etnias que dela fazem parte.

Resta evidente que muitas das experiências sociais vividas por rapazes e garotas são determinadas pelo tipo de brinquedos a eles consagrados, e os “fortes” são dedicados aos meninos, enquanto os “sensíveis” são quase que exclusivo de meninas, voltados a despertar vaidade e consumo por vezes desenfreados.

Embora exista uma certa promessa de fabricantes de passatempos infantis, e também de programas computacionais voltados ao lazer, de favorecerem o desenvolvimento e mesmo o aprendizado escolar, uma rápida olhada nos produtos disponíveis no mercado já estabelecem uma imensa diferença no que se considera entretenimento de meninas e meninos, e na compreensão do universo digital reservado a ambos. Inúmeros sites são elaborados dentro de uma perspectiva bem limitada das habilidades que uma menina precisa desenvolver para tornar-se uma mulher, e certamente isso inclui moda, diversão, música e beleza, mas quase nada de raciocínio lógico, de tomada de decisões, de visões mais abrangentes do mundo.

Convém pensar um pouco sobre os presentes que se dá a uma criança, pois junto com eles, quase certamente virá empacotado todo um conjunto de normas de como proceder e ser em nossa comunidade.

 

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.