Sintomas das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti são muito parecidos e diagnóstico nem sempre é fácil

Dengue, febre amarela, zika e chikungunya são as doenças (arboviroses) que já estão instaladas no Brasil e são transmitidas pelo mesmo vetor no meio urbano – o mosquito Aedes aegypti. Os sintomas das arboviroses urbanas são muito parecidos e o diagnóstico correto pode ajudar na condução de tratamentos mais eficazes.
A febre amarela é um doença viral, transmitida pelo Aedes aegypti na cidade e pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus ou Sabethes nas áreas silvestres. Os insetos são os reservatórios mantenedores do vírus na natureza e são os responsáveis pela infecção em macacos e pessoas. A febre amarela é a mais grave entre as doenças transmitidas pelo Aedes, podendo atacar, principalmente, o fígado, os rins, o coração e o sistema de coagulação. Os sintomas iniciais são febre, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações. Em alguns casos, a doença evolui e passa a apresentar sintomas semelhantes aos da hepatite, como olhos amarelos, urina escura e uma forte debilidade orgânica. “Os rins podem ser afetados ao ponto de pararem de funcionar e complicações inflamatórias graves podem acometer os pacientes”, afirma Bernardino Alves Souto, docente do Departamento de Medicina (DMed) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), especialista na área de Epidemiologia. O pesquisador alerta que a mortalidade da febre amarela é alta e atinge entre 40 e 50% das pessoas infectadas pelo vírus.
No caso da dengue, a doença apresenta quatro sorotipos diferentes. Os sintomas iniciais também são febre, dor de cabeça, nos olhos e a dor muscular é mais intensa. O tratamento inicial é para conter os sintomas. O quadro pode agravar e progredir para a dengue hemorrágica, quando os episódios de sangramento podem ser severos e a doença passa a ser potencialmente fatal. “Ao ser infectada por um tipo de vírus da dengue, a pessoa ficará sempre imunizada para esse determinado sorotipo, mas não fica imune aos outros tipos de vírus da doença”, relata o epidemiologista. A avaliação de um médico é fundamental para o atendimento ao paciente. Em casos de dúvidas, o infectado deve ser tratado, inicialmente, como se estivesse contaminado por dengue, já que a doença apresenta complicações agudas graves, podendo matar nos primeiros 15 dias de início dos sintomas. “Se um caso de dengue for tratado como zika ou chikungunya, oportunizamos a ocorrência de complicações mortais. O contrário não causa nenhum dano”, explica o docente da UFSCar. O índice de mortalidade da dengue é bastante inferior ao da febre amarela e chega a 2% em epidemias de repetição.
O zika vírus apresenta os mesmos sintomas iniciais, com maior ocorrência de manchas na pele e coceira. A presença do vírus, às vezes, passa despercebida em alguns pacientes, mas pode causar problemas graves em bebês durante a gestação, como a microcefalia, e induzir a problemas neurológicos sérios em quem é infectado. Além da transmissão pelo Aedes, Bernardino Alves Souto lembra que já foi observada a transmissão do zika por meio de relação sexual o que reforça a necessidade do uso de preservativos.
No caso da chikungunya, além dos sintomas iniciais comuns à outras doenças, provoca dor articular mais intensa e prolongada. “A chikungunya pode deixar sequelas incapacitantes e, mesmo na fase aguda, deixar a pessoa quase inválida até que melhore. Além disso, pessoas portadoras de doenças crônicas podem ter complicações graves e até fatais, se infectadas por qualquer arbovirose”, esclarece Alves Souto. De acordo com o docente, a experiência mundial com a doença, mostra que a chikungunya dificilmente aparece, pela primeira vez, como uma epidemia de grandes proporções. A doença surge de forma esporádica por alguns anos em alguma população até causar uma epidemia maior. Dados do Boletim Epidemiológico da Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde brasileiro, mostram que entre janeiro e setembro de 2017 foram confirmados mais de 121 mil casos de chikungunya no País, com a maior incidência na região Nordeste, seguida das regiões Sudeste, Norte, Centro-Oeste e Sul. No mesmo período do ano passado, foram confirmados laboratorialmente 99 óbitos por chikungunya no Brasil e outros 159 estavam em investigação.
“Se imaginarmos um cenário com epidemia de chikungunya na proporção do que aconteceu com a dengue em 2015, teremos um contingente muito grande de pessoas absolutamente incapacitadas para o trabalho e dependentes de cuidados por terceiros no período endêmico, enorme sobrecarga no sistema de saúde, aumento considerável no consumo de medicamentos e na ocorrência de complicações de outras doenças, além de um número significativo de pessoas com sequelas temporárias e uma quantidade menor de pessoas com sequelas definitivas da doença”, alerta Alves Souto. O pesquisador acrescenta que o prejuízo econômico e social de uma epidemia de chikungunya seria grande, assim como o sofrimento dos doentes e suas famílias, além do elevado absenteísmo no trabalho.
Ao contrário da dengue, a febre amarela, zika e a chikungunya possuem, até então, apenas um tipo de vírus, o que deixa imunizadas as pessoas que forem infectadas por essas doenças. No geral, o tratamento das arboviroses serve para o alívio dos sintomas de febre, dor e mal-estar e o uso de anti-inflamatórios é contra indicado em casos de suspeita dessas doenças.
De acordo com Bernardino Alves Souto, o exame de sangue é fundamental para o diagnóstico, mas o tratamento de cada paciente é realizado conforme a evolução, ou não, do quadro de saúde. “No caso da febre amarela e a dengue, os resultados dos exames podem confirmar com maior precisão qual das duas está afetando a pessoa, apesar de que alguns exames para febre amarela ainda apresentem reação cruzada com outras arboviroses. A evolução clínica também ajuda na definição do diagnóstico. Nos casos de dengue, chikungunya e zika, os resultados, às vezes, se confundem e é preciso acompanhar a evolução do paciente ou dos próprios exames que devem ser repetidos ou feitos por técnicas diferentes”, aponta o professor. Ele afirma que os exames para o diagnóstico estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, mas que é preciso descentralizar o processo para que os resultados cheguem mais rápido. “Os exames costumam ser encaminhados para alguns laboratórios mais centrais do SUS e isso atrasa muito até que o resultado esteja disponível para o médico. É necessário descentralizar essas ações, principalmente nas cidades de interior das regiões mais afetadas”, defende. “Apesar disso, os exames específicos não são essenciais para o tratamento, de modo que o resultado acaba sendo mais importante para fins de vigilância epidemiológica do que para o cuidado com os doentes. Vale lembrar que a vigilância epidemiológica é tão importante quanto o tratamento dos infectados”, reforça o professor.

Prevenção
“Para prevenção dessas doenças o foco principal deve ser o combate ao mosquito transmissor, adotando cuidados ambientais e evitando qualquer empoçamento de água. Também é importante usar repelentes, calças compridas, blusas de mangas compridas e roupas de cores claras porque o mosquito tem preferência por materiais e locais escuros. É preciso ficar atento aos cantos escuros da casa, ralos e sifões das pias e calhas para evitar que o Aedes encontre alojamento e condições para reprodução. Além disso, é fundamental que as pessoas estejam engajadas em cuidar de seus espaços e entornos e que cobrem duramente ações do poder público”, afirma Alves Souto.
O docente também considera que o combate ao Aedes aegypti é ineficaz no Brasil desde que a dengue retornou ao País há mais de 40 anos. “A falta de políticas públicas responsáveis em relação à educação, à convivência social e ao meio ambiente é evidente e não será compensada por meio de tecnologias focais, biomédicas ou industriais”, destaca. Ele alerta, inclusive, que “assim como chegaram ao Brasil doenças mais recentes como zika e chikungunya, outras transmitidas pelo Aedes aegypti estão a caminho, como a febre mayaro, febre do Nilo Ocidental, encefalite japonesa e febre de rocio, além do alto risco de reurbanização da febre amarela”. De acordo com pesquisas na área de infectologia e com dados do Ministério da Saúde, já há o registro da circulação de alguns desses “novos vírus” no Brasil. “Precisamos agir antes que epidemias mais devastadoras acometam o nosso País”, conclui o docente.

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