Igualdade?

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Há um elemento cada vez mais presente e ameaçador nas relações humanas: o ódio entre desiguais e até entre “parecidos”, pois não basta mais pensar de forma semelhante, apenas a identidade absoluta é aceita.

Afirmar que determinado político/artista/atleta/treinador/intelectual/magistrado tem inegáveis qualidades, mas… (“mas” podendo anteceder até uma ressalva mínima que não comprometa a afirmação) equivale a uma declaração de guerra aos seus apoiadores incondicionais. Só na ortodoxia mais conformista parece residir a salvação.

A preguiça de pensar e as opiniões que não admitem nuances levam a radicalismos cada vez mais exacerbados que, por sua vez, produzem mais radicalismo. Talvez um postulado da Física clássica possa facilitar a compreensão do fenômeno: “a cada ação corresponde uma reação de igual intensidade e sentido contrário”. Até mesmo preferências por times de futebol ou escolas de samba, que teoricamente fariam parte do mundo do lazer, deflagram batalhas campais, destruição, ferimentos graves e extermínios. É impossível considerar racionalmente uma briga de torcidas, os contendores gostam do mesmo esporte, apenas torcem para lados diferentes, e tornam vitórias e derrotas motivos de vida e de morte.

No campo ideológico a questão atinge extremos incompreensíveis, pessoas inteligentes e supostamente bem-intencionadas deixam-se envolver em polemicas estéreis acerca de detalhes operacionais: se o Estado deve comandar tudo ou apenas normalizar e fiscalizar, se o mercado pode ser deixado à vontade ou deve ser controlado rigidamente, se a liberdade de expressão pode ou deve ser limitada, etc.

Há, de um lado, aqueles realmente comprometidos com as opiniões e pessoas de que se trata, muitos tão apaixonados pelas convicções que julgam lhes pertencer que são até capazes de ações extremadas à mínima contrariedade; e de outro, os líderes, os reais beneficiários da existência destas plateias, talvez não tão convencidos do próprio discurso, mas absolutamente interessados na manutenção da crença de seus seguidores, que afinal lhes renderá votos, dinheiro, fama, poder.

As perseguições religiosas, raciais, políticas, marcam e tingem de sangue e vergonha a história humana; constituem “intolerância de Estado”, e produzem milhares, milhões, de vítimas. A intolerância localizada, manifesta em redes sociais, cartazes, gritaria, slogans, tem consequências igualmente localizadas, não menos cruéis, no entanto.

A execução, ainda não devidamente esclarecida, da vereadora e militante Marielle Franco produziu uma enxurrada de comentários perturbadores que buscavam denegrir a vítima, aparentemente procurando matá-la duas vezes, destruir tudo de bom que pudesse ter realizado e simbolizado e apresentar de modo negativo sua humanidade. Como se uma adolescente ter filho ou uma mulher se relacionar com outra mulher fossem motivos para condenação à morte ou ao opróbrio. Critica-se também a visibilidade dada a este crime, como se não houvessem milhares de outros; um único crime é demais, mas este é representativo de muitos assassinatos de mulheres e homens em todo o país, em todo o tempo. Toda violência é lamentável, algumas se tornam símbolos de um ponto de saturação, e é bom refletir sobre elas.

Neste momento, em que agressões de todas as ordens permeiam inclusive o ambiente escolar, mostrando claramente o desrespeito pelas figuras de autoridade e as propriedades comunitárias – um paradoxo porque seriam exatamente aquilo que se coloca entre a civilização e a barbárie – seria importante a reflexão sobre o tipo de futuro que estamos preparando para aqueles que nos sucedem. Sectarismos e violências jamais produzirão um sistema educacional de qualidade, e sem ele as perspectivas não são otimistas para o país.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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