[OPINIÃO] Inclusão é, afinal, um bom investimento / Wanda Camargo

Michel Foucault, filósofo, historiador das teorias sociais, falecido em 1984, com seus escritos deixou profundas marcas no pensamento ocidental, principalmente pela atualidade ao investigar criticamente a história e a mobilidade, propiciando compreensão de nossa época em relação às anteriores.

Muitos de seus estudos foram voltados ao neoliberalismo, entendendo o mercado como um jogo, para o qual são estabelecidas algumas regras, inclusive o princípio de que todos deveriam ter acesso a ele; assim, aqueles que não têm condições nem mesmo de iniciá-lo, precisam ter garantidos os recursos mínimos que garantam sua participação.

Esta consideração partia da constatação de que é mais vantajoso investir em ações iniciais para atingir um relativo equilíbrio social, quando se contempla os imensos gastos demandados pela assistência social indispensável tardiamente, se violência e insegurança já se instalaram.

Assim, já observava que políticas de inclusão na verdade desoneram o Estado, permitindo a redução de investimentos e de tempo, com controle das mazelas de forma eficiente, e suas políticas aplicadas corretamente implicando em liberdade de mercado.

Inclusão, portanto, é promessa de uma vida melhor, que atende aos interesses individuais, mas também ao sistema capitalista; a exclusão marca períodos de crise, acirra as contradições e significa um tipo de esquecimento crônico da história humana, que sempre enfrentou guerras e revoluções quando a inclusão deixou de ser exercida por aqueles que detém o poder em cada época.

A partir da Segunda Guerra, o Estado de Bem-estar Social foi criado, inclusive como estratégia da Guerra Fria em contraposição ao comunismo, e também, ao menos nos discursos, para proporcionar vida digna a toda a população. No entanto, a partir de meados da década de 1970, uma grande transformação do cenário político provocada pela severa crise econômica trouxe desemprego e diminuiu a capacidade dos países de investir em segurança social, independentemente de seu regime de governo.

A consequente desregulação do trabalho, e mesmo sua desqualificação, produz uma miserabilidade estrutural que aumenta a criminalidade e leva à delegação estatal para que haja vigilância de uns sobre os outros. Cada indivíduo da população se tornaria um parceiro do Estado nos processos de inclusão, um jogo que não atinge a todos, dado que o cacife e o treinamento para tal competição depende fortemente da educação a que se teve acesso.

Se escasseiam as ações intervencionistas que constituem redes de proteção, restam precários os serviços comunitários, tais como a previdência social, educação pública, saúde pública para todos, que na verdade passam a ter como público-alvo apenas a parcela empobrecida da população, com os de maior poder aquisitivo migrando para as redes privadas em busca de qualidade e rapidez de atendimento. Isso provoca também a maximização da função policial, criminalizando preferencialmente ações ligadas à pobreza ou dela decorrentes. Para compensar a redução de investimentos em seguridade social, o Estado aumenta sua ação em políticas de inclusão, porém delegando-as aos próprios cidadãos.

A necessidade de interpretação de situações limites dentro de um contexto maior e complexo certamente permite ações fundadas e saneadoras; a negação pura e simples de ocorrências, a renúncia de intervir de modo preventivo em problemas detectados, impede a atuação diante daqueles marginalizados e abandonados pelo Estado, não minimizando os efeitos sociais e econômicos gerados pelas condições de vida precária e impedindo que sejam reinseridos na sociedade.

Não deixar ninguém fora do jogo e preparar organizações não governamentais para que recebam os atuais excluídos para reeducação e recondução ao mercado são políticas de inclusão pensadas como ações estratégicas que visam no presente e, principalmente, em um futuro próximo, minimizar os investimentos necessários, o que não implica em Estado enfraquecido, mas sim capaz de realocar suas funções. Investir adequadamente em escolas de qualidade seria ainda mais pertinente.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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