Sustentabilidade e responsabilidade social entram na moda com o upcycling

INICIATIVAS SOLUCIONAM O DESCARTE DE RESÍDUOS COM CRIATIVIDADE, PRODUZINDO PEÇAS DIFERENCIADAS E GERANDO OPORTUNIDADES PARA QUEM PRECISA

Por: Luciana Melo

Edição: Janyne Leonardi

Algumas new faces estão surgindo no mundo da moda com traços que chamam a atenção. São projetos de upcycling, que dão vida nova aos descartes e resolvem problemas de outras indústrias ao transformar materiais que iriam para o lixo em produtos originais. Certas iniciativas também incluem a responsabilidade social no sistema de produção e oferecem oportunidades com formação e geração de renda para determinados grupos da população.

A aposta de grifes, estilistas e instituições na reutilização criativa, que proporciona novo valor ao produto, não nasceu por acaso. É uma reação às incoerências que o mundo da moda guarda para além dos flashes nas passarelas, como, por exemplo: os altos preços do mercado de luxo; o fechamento de lojas com o crescimento do e-commerce; e as características negativas do fast fashion.

Atualmente pode-se encontrar top models dividindo capas com denúncias de trabalho em condições desumanas e casos como o da marca Burberry, responsável pela incineração de mais de 140 milhões de reais em produtos para impedir baixa de preços no ano de 2017. A ação foi considerada pela fabricante como “ambientalmente sustentável” devido à compensação de gás carbônico, segundo a BBC News.

E a Burberry não está sozinha: o site UniPlanet – portal sobre sustentabilidade e meio ambiente – acusa a marca Celio de rasgar e jogar fora itens não vendidos, enquanto aponta a gigante do fast fashion H&M como responsável por incinerar 12 toneladas de roupas por ano, fato negado pela empresa. O site ainda destaca um estudo da Fundação Ellen MacArthur, que indicou o descarte de 600 mil toneladas de roupas, calçados e vestuário por ano na França. Apenas um quarto desse número é destinado à caridade ou reciclagem.

Entretanto, uma nova geração de criadores vem olhando para o mercado com mais critério e desenvolve produtos que não são apenas roupas e acessórios: são soluções para o direcionamento adequado dos descartes e também para questões sociais.

Do lixo para a passarela

Mariah Salomão Viana, diretora de criação da grife Novo Louvre, em Curitiba, explica que a ideia de trabalhar com o upcycling já era parte dos esforços antes da coleção inverno 2018, desenvolvida com sobras da indústria automotiva. Em 2016, a artista Thalita Sejanes foi convidada para criar peças com os retalhos da confecção. O resultado foi à passarela do primeiro desfile da marca no ID Fashion, que ainda contou com peças de tricô feitas com sobras de tecidos.

Uma aproximação entre o Novo Louvre e a montadora automobilística Renault foi realizada pela Fiep — Federação das Indústrias do Estado do Paraná –, organizadora do ID Fashion. As peças foram lançadas em comemoração aos dez anos da marca curitibana. Mas a parceria era parte de uma ação de marketing naquele momento e não estava voltada para a venda.

No evento, foram apresentados três looks completos e três bolsas inteiramente produzidos com restos da fábrica, incluindo cintos de segurança e revestimentos de carros. O trabalho contou com a participação das mulheres da Associação Borda Viva, que já produzem bolsas e acessórios com apoio do Instituto Renault. As dificuldades do processo foram superadas respeitando uma das premissas da marca de roupas: o que pode ser resolvido com design, é resolvido com design e vira característica do produto.

Sobre os pontos fortes da coleção, Mariah afirma: “Impus a todos os envolvidos que não falaríamos a frase ‘para upcycling, está bom’. Tinha que ser um produto resolvido 100%, como qualquer outro do Novo Louvre, o nível de exigência não poderia ser menor. E foi muito bacana porque a gente conseguiu — você nem percebe que é um produto de upcycling.”

A boa aceitação da coleção trouxe novas ideias. Com a participação em rodadas de negócios para compradores internacionais, houve interesse, entretanto não se estabeleceu um canal para venda. Agora que a parceria entra em seu segundo ano, surge um novo projeto voltado para o mercado comercial. O lançamento está previsto para a temporada do verão 2020, que acontece em abril de 2019.

Must-have: produtos do bem

Quem compra uma bolsa ou um acessório da Associação Borda Viva pode pensar que escolheu um produto que cuida do planeta por diminuir o descarte de lixo da produção automotiva. Mas não é só isso. A iniciativa vai além.

Sem fins lucrativos, a entidade promove o desenvolvimento social de moradoras da comunidade de Borda do Campo, em São José dos Pinhais. É nessa mesma região que está localizada a fábrica da Renault, que é a principal mantenedora da Borda Viva através do Instituto Renault.

São duas frentes de ação, uma voltada para alimentação e outra para geração de renda. Segundo dados divulgados no site da instituição, cerca de 150 crianças que vivem em situação vulnerável recebem refeições preparadas diariamente, pelas participantes dos projetos na comunidade. São mais de 37 mil refeições por ano. A geração de renda se dá pela cozinha comercial, que vende refeições por preços populares no bairro e também atende a eventos com coffee breaks.

Há também a atuação da Casa da Costura desde 2010. A iniciativa prepara mulheres para o trabalho com costura, modelagem, bordados e estamparia. Em 2015, foi lançada a primeira coleção desenvolvida pelas participantes. Os itens podem ser conferidos no site da Borda Viva, onde também estão disponíveis as instruções para os interessados em comprar.

A moda é o novo destino dos refugiados

Banners publicitários são transformados em sacolas, bolsas térmicas, estojos, pastas, brindes e lancheiras através das mãos de quem busca um recomeço participando do programa Supera, promovido pela Unilehu – Universidade Livre para a Eficiência Humana. A organização do terceiro setor dedica-se principalmente à inclusão social.

A novidade aqui não é o upcycling das lonas vinílicas, mas sim o público-alvo do Supera — programa para capacitação profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social em oficinas de costura. Segundo a coordenadora do projeto, Andressa Kope, foi firmada uma parceria com a ONG Adus — Instituto de Reintegração de Refugiados – durante a implantação do projeto, em 2016. Naquele momento, muitos haitianos estavam vindo para o Brasil e a oficina era uma oportunidade para geração de renda e inserção na comunidade. A ideia não era formar uma primeira turma exclusiva para expatriados, mas a urgência da situação falou mais alto.

Os outros dois grupos que participaram posteriormente das capacitações combinaram refugiados, idosos e mulheres de comunidades. Foram oito alunos por edição, mas o número de produtores que têm acesso aos benefícios do projeto é maior. Isso se deve à alta demanda de pessoas que buscam a ajuda da Unilehu para conseguir emprego. Porém, somente os portadores de deficiência podem ser encaminhados para as vagas geradas pela Lei de Cotas. O Supera não apresenta essa restrição e ampliou o público atendido pela instituição.

A viabilidade financeira vem de empresas parceiras, eventos beneficentes e também do programa governamental Nota Paraná, pela doação de notas fiscais sem CPF registrado pela população. Hoje, a venda dos produtos e encomenda de brindes também são responsáveis pela manutenção das ações, cobrindo, entre outros custos, a remuneração dos costureiros.

Sobre o objetivo do programa, Andressa afirma: “Queremos que todos os produtores certificados se tornem microempreendedores individuais (MEI) e prestem serviço para o Supera. São duas categorias: a pessoa é capacitada, entra como praticante e ganha uma bolsa por hora; depois, quando consegue uma boa produtividade, passa a receber por produto produzido. É um comércio justo, eles recebem uma boa quantia por peça.” Andressa ainda explica que toda a parte pedagógica e de infraestrutura é responsabilidade da instituição, que também oferta palestras sobre empreendedorismo para os participantes. Contudo, a busca por empregos formais não é descartada, inclusive estão buscando parcerias que abram novas vagas.

Além da linha criada com reaproveitamento da lona dos banners, chamada Ecobanner, o Supera também trabalha com as linhas Ecocar, com upcycling de tecidos e cintos de segurança vindos da indústria de automóveis, e a Ecofashion, que usa itens automotivos e busca novas matérias-primas no momento.

Serviço:

Os interessados podem comprar os artigos da linha pelo site do programa Supera ou visitar o showroom na Rua Hélio Dirceu Woitikiw, 121, no bairro Pinheirinho em Curitiba.