[ARTIGO] Fake News na Caverna de Platão

A palavra grega Paideia, sem tradução literal em português, pode ser entendida por cultura ou formação, com conotação original de estruturação da personalidade, arte da construção de si mesmo de forma harmônica e completa.

Afinal, se o homem é a imagem de Deus, a ordem e a forma, este espelho Dele mesmo, de um modo finito e não infinito como Ele, necessitaria o cultivo e o cuidado total para com a alma, de modo que os seres humanos pudessem atingir objetivos mais elevados.

Toda meta concreta a ser alcançada passa por uma fase de planejamento ou projeto; assim como é impossível construir uma casa sem primeiro ter pensado nela, sem tê-la sonhado, sem ter feito um desenho prévio, uma planta e reunido esforços para concretizá-la, o virtual é uma das faces do real, é difícil definir a separação entre ambos, embora o senso comum costume diferenciá-los.

Vários filósofos analisam o virtual não como oposição ao real, e sim se contrapondo ao conceito do atual. Somente é virtual o que existe em potência e não em ato, como uma árvore que já existe de forma latente na semente: a possibilidade daquela existe nesta, e o possível é exatamente como o “real”, apesar de faltar – ainda – sua efetivação. A produção inovadora de uma ideia, de uma arvore, de uma casa ou de uma forma artística qualquer faz com que a diferença entre possível e real seja puramente temporal ou lógica.

Mesmo que na teoria a meta seja de auto aperfeiçoamento, nestes tempos de maior relacionamento nos meios digitais a virtualidade pode fragilizar as relações humanas ao minimizar a necessidade ética de acolher os demais, de reconhecer a validade das opiniões contrarias às nossas, é mais fácil excluí-los; na contemporaneidade usamos as tecnologias de informação e comunicação mais para nos afastar uns dos outros que para desenvolver paciência, aceitação, respeito.

No entanto, a questão não está nos dispositivos tecnológicos, mas na forma como os usamos, ou seja, quais as motivações existenciais que se encontram embutidas na criação de aplicativos e programas destinados a estimular as relações interpessoais que, porém, utilizamos mais para criar avatares que reafirmem nossa superioridade. Redes, por constituírem mediação entre eu e o outro, tem, portanto, conexão com o par possível/efetivo, a oposição imperfeita entre virtual e real. Este caminho digital interfere na transformação de uma determinada realidade dentre um conjunto de possibilidades, relacionar-se dentro delas é sempre uma visita à Caverna de Platão, uma forma de descida, como o fizeram Dante na Divina Comédia, Orfeu, Aquiles, Odisseu, Eneias, com o propósito de adquirir conhecimento.

Esta caverna, metáfora criada por Platão sobre a ignorância em que vivemos, e a dificuldade de atingir o mundo real pela razão, pois dentro dela pessoas viviam presas, vendo sombras da realidade. Bom simbolismo do mundo onde vivemos, e das correntes o que nos prendem: Fake News, ideias sem fundamentação, crenças herdadas sem reflexão ao longo da vida.

Vivenciar os fatos, libertar-se das correntes, não é simples, é mais fácil aceitar certas verdades como evidentes porque ditas por outros que temos como ídolos, venham eles da direita ou esquerda.

A rápida propagação de fatos, ou factoides, nas redes sociais deve-se em parte à aceitação indiscriminada de tudo o nela contido, o meio sendo, definitivamente, a mensagem; aparentemente as redes tem hoje mais credibilidade que qualquer pessoa com quem nos relacionamos pessoalmente, e suprem qualquer necessidade de reflexão de nossa parte.

O sucesso de um recolhimento profundo em si mesmo, uma descida, pode ser medido apenas pelo movimento de subida, em direção aos demais no reconhecimento da humanidade comum; e isso pode acontecer apenas na saída das cavernas onde vivem os mortos, ou seja, aqueles que não podem mais pensar.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. wcmc@mps.com.br