Ética, a empresa sem jeitinho

Por Francisco Camargo*

Ética, a empresa sem jeitinho
Francisco Camargo, presidente do conselho da Abes e CEO da CLM.

“il n’y a pas de propositions éthiques, il n’y que des actes éthiques”

Ludwig Wittgenstein

“a ética não é feita de palavras, mas de atos” (tradução livre)

Pessoas que clamam por ética, as mesmas que pedem recibo em dobro no taxi, atestados médicos para o filho fazer prova substitutiva sem pagar, furam fila, batem em carro parado e vão embora e tantas outras pequenas e grandes infrações éticas. Mudar a cultura do jeitinho brasileiro demora, mas pode ser acelerada se as empresas derem o exemplo. O papel delas na busca por uma sociedade mais ética é um dos mais importantes. São as empresas que geram trabalho, provisionam produtos e serviços ao mercado, representam a parcela mais significativa da arrecadação de tributos.

O que é noticiado pela mídia não depõe a favor das empresas em questões éticas, corrupção em diversos graus e em diversos níveis em grandes corporações. As médias e pequenas empresas certamente têm problemas, mas isso raramente dá notícia.

E o arcabouço legal existe, e prevê até a liquidação da empresa. Entre as principais leis, está a Lei Federal nº. 12.846/2013, que responsabiliza empresas e seus dirigentes e é um importante recurso no combate à corrupção, pois permite a punição em outras esferas além da judicial, de pessoas jurídicas que corrompam agentes públicos, fraudem licitações e contratos ou dificultem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos, entre outras irregularidades.

Algumas iniciativas têm mostrado sua capacidade de disseminar práticas éticas em setores da economia, como associações de empresas que criaram políticas anticorrupção. O objetivo é as estimular a adotarem, formalmente, os mais altos padrões éticos e morais no trato de seus assuntos, quer internos, quer externos. Desde manter as melhores práticas no relacionamento com os clientes, fornecedores, concorrentes, colaboradores e agentes governamentais até criar regras formais para implementá-las, adotando um Programa Formal de Integridade.

Como a própria lei compreendeu, a única forma de ter visibilidade sobre o comportamento ético de empresas e dirigentes é por meio de um canal de denúncias, anônimas, em que o denunciante não sofra constrangimento ou tema represálias.

Essas iniciativas oferecem para as empresas associadas canais de denúncias anônimas, gratuito, que permitem denunciar acontecimentos que não estejam em conformidade com os padrões éticos e morais estabelecidos pelas normas das empresas ou pelas leis do país.

A adesão a ela tem crescido constantemente, desde pequenas às médias empresas. Um exemplo disso foi de uma tradicional companhia de distribuição de tecnologias de infraestrutura de segurança de TI, cujo antigo programa de integridade se resumia a um código de ética convencional, e que foi totalmente revisto e adequado à iniciativa de construir uma empresa ética.

Essas ações são extremamente bem-vindas em um contexto de muitas práticas desonestas, algumas até consagradas no mercado como “levar bola” no setor comercial. E outras realmente criminosas. Pesquisa global feita pela Ernst & Young (EY) mostrou que para 96% dos profissionais brasileiros entrevistados as práticas de suborno ou corrupção ocorrem amplamente nos negócios.

Informações do Ministério do Trabalho e Emprego e do Tribunal Superior do Trabalho – TST – dão conta que o assédio moral foi a denúncia mais feita no país nos últimos dez anos. Cerca de sete em cada dez empresas possuem casos de assédio relatados.

Ainda sobre a necessidade de ajuste de conduta corporativa, a proteção dos dados pessoais coletados ou tratados ou armazenados na empresa é outra obrigação prevista na Lei 13.709/18, que entra em vigor em agosto de 2020.

A Lei Geral de Proteção de Dados, como é conhecida, limita a coleta e o armazenamento de dados de clientes, usuários, colaboradores, funcionários, visitantes etc., por empresas de todos os portes e segmentos. Sanções e pesadas multas, que podem chegar a 50 milhões de reais, poderão ser aplicadas a quem descumprir essas e outras obrigações.

É verdade que a Lei não faz distinção entre os tipos de vazamentos de dados, se intencionais ou se a empresa foi vítima de um ataque de cibercriminosos. Isto certamente vai ser um grande problema para as pequenas e médias empresas, sem recursos para contratar consultores para definir sua governança de dados, seu responsável pelos dados, nem as soluções de segurança da informação necessárias para não serem vítima de ataques e vazamentos.

Diante desses e de outros desafios contra a corrupção e a lavagem de dinheiro, sem dúvida, passou da hora de as empresas ajustarem suas práticas para transformar o ambiente corporativo e todas as suas relações de modo a priorizar o incentivo e a fiscalização de práticas que atendam à legislação.

Tais iniciativas, com canais de denúncias anônimas, permitem replicar procedimentos de excelência não apenas para a observância das leis, mas para a construção de uma sociedade melhor.

Algumas nuances dos programas de integridade

A relação das empresas com entes públicos é o ponto crítico a ser observado na Lei Anticorrupção. Os códigos de ética e conduta vedam às associadas, integrantes, terceiros e colaboradores oferecer, prometer, fazer, autorizar ou proporcionar (direta ou indiretamente) qualquer vantagem indevida, pagamentos (incluindo pagamentos de facilitação), presentes ou a transferência de qualquer coisa de valor para qualquer pessoa, seja ela agente público ou não, para influenciar ou recompensar qualquer ação oficial ou decisão de tal pessoa em benefício próprio ou da associação. Também proíbem condutas de ação ou omissão, que possam significar violação aos princípios e valores firmados nesses programas, à legislação vigente, em especial à Lei Anticorrupção, Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Licitações e Lei de Lavagem de Capitais.”

Um dos deveres das associadas é comunicar à entidade qualquer violação e suspeita de violação de condutas vedadas neste documento. Além disso, todos os contratos celebrados com a entidade devem conter cláusula anticorrupção, fazendo menção ao código de ética, bem como todas as associadas e todos os terceiros deverão ser incentivados a adotar cláusulas anticorrupção nos demais contratos que venham a celebrar.

O código prevê ainda sanções, que vão da suspensão do direito de voto; passando por advertência por escrito, reservada; advertência por escrito, pública; suspensão temporária dos direitos associativos até a exclusão do quadro social.

Ter um país com empresas éticas, mesmo que punições sejam necessárias para isto, é o resultado que se espera. Ninguém mais suporta as constantes e diversas formas de corrupção nas instituições brasileiras. Esse ‘jeitinho’ de conseguir vantagens e burlar regras não apenas afronta as leis, mas frustra sonhos e estanca oportunidades para a população, além de travar a economia e comprometer o bem-estar de toda uma sociedade.

*Francisco Camargo é Presidente do Conselho da ABES, CEO da CLM, distribuidor latino-americano de valor agregado de Segurança da Informação e Infraestrutura Avançada.