Quando as máscaras caem… / Por Wanda Camargo

A expressão “Véu de Maya” ou “véu da ilusão” tem sido utilizada no significado de esconder a realidade das coisas em sua essência, e nos vem da sabedoria hindu, dizendo que o mundo não é exatamente aquilo que vemos, e sua realidade talvez não seja o que somos levados a crer. Vemos o sol girar em torno da Terra, mas apenas a ciência nos mostrou que a realidade era contrária ao nosso senso comum, e assim, o mundo real seria algo escondido do olhar humano e estaria acessível somente àqueles que conseguissem ultrapassar o “Véu de Maya”. Alguns filósofos, como Schopenhauer, influenciados certamente pela filosofia indiana, desenvolveram a teoria de que há algo que impede o homem de conhecer a realidade, a ilusão e aparência predominam no núcleo dos fenômenos visíveis.

Em crises graves como a que estamos atravessando, os discursos açucarados, a expressão de boas intenções, as declarações bombásticas fazem parte do véu de Maya, já que o momento mostra o que somos em realidade, para o melhor e o pior: desde o heroísmo, a solidariedade, o desprendimento, a humanidade, até o egoísmo, a usura, a vaidade, o oportunismo, a covardia.

Se é legítimo e até compreensível que um empresário se preocupe com a sobrevivência de seu negócio, e que qualquer pessoa tema pela manutenção de seu emprego e fonte de renda, não é admissível que o façam como se apenas eles existissem sobre a Terra e estivessem sujeitos às consequências desta pandemia que ameaça a todos nós.
Surpreende o cidadão que diz ter “vinte mil empregados” e está disposto a demiti-los sumariamente (e consta que já o fez com a metade deles), e passar a gozar a vida em sua casa de praia, se a sociedade não estiver disposta a se arriscar a contágio da Covid-19 e voltar às ruas e ao consumo. Da mesma forma, é chocante a postura do dono de lanchonetes que declarou não serem “sete ou oito mil mortes” preocupantes no contexto da população brasileira, e que convoca seus “clientes” a voltar às lojas. Esta peste vai passar, e se tivermos a sorte de sobreviver precisaremos repensar a forma e os locais onde viveremos e faremos o desenvolvimento de nossa civilização. O senso de solidariedade e de empatia estarão sendo postos à prova em cada momento de nosso confinamento, a dificuldade de convivência, a violência e a indiferença com os demais estão expostos e necessitam reflexão.

Uma foto divulgada em redes sociais, e se não for verdadeira é emblemática, mostra o carro de uma médica estacionado no prédio em que mora e pichado com a palavra “contagiosa”; consta que a profissional trabalha no atendimento a infectados, e absurdamente não é vista como alguém que cumpre seu dever pelo benefício de todos e sim como um risco aos vizinhos. A angústia de fugir à perspectiva de um problema sério de saúde pública pode tornar as pessoas agressivas e negacionistas, como aqueles que queimavam bruxas na idade média pela impossibilidade de lidar com conhecimentos ou comportamentos estranhos à sua comunidade.

O medo pode levar ao comportamento conflituoso, pois é tendência humana reagir ao desconhecido com hostilidade, e em alguns condomínios pessoas com máscaras tem sido tratadas como se elas estivessem já doentes, e não apenas sendo cuidadosas com a saúde própria e dos demais.

Há também uma interpretação equivocada da vulnerabilidade dos idosos à Covid, o que ocorre na verdade é que as pessoas de mais idade são tão suscetíveis à contaminação quanto quaisquer outras, mas as moléstias naturais a mais idosos, tais como hipertensão ou diabetes, podem se agravar muito, levando a óbitos. O senso comum parece concluir que apenas nessas faixas de idade haveria risco, e que os “velhos” seriam vetores de maior intensidade, e estes começam a sentir algum preconceito, a ideia parece ser exorcizar a doença na possibilidade dela existir “no outro”, medidas mais amplas de contenção e cuidado passam a ser vistas como sinais de fraqueza e possibilidade de contágio.

Tudo isso diminui a solidariedade, destrói a empatia e nos deixa menos humanos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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