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Imunização é a solução! Será?

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Antonio Djalma Braga Junior*

A imunização da população contra a Covid-19 se tornou a principal pauta dos noticiários no Brasil e no mundo. A expectativa é tanta que o conceito de imunidade tem perpassado todos os setores da sociedade, sendo que os especialistas nesse assunto têm sido, com frequência, convidados a fazerem parte das decisões econômicas, sociais, sanitárias e políticas durante a pandemia.

Não sei se podemos falar em voltar à normalidade, nem diria que haveria um novo normal (esse conceito de normal é sempre complicado de ser tratado à luz da filosofia), mas o que a população anseia, de fato, é se livrar do pesadelo que esse vírus se tornou e a imunização nesse momento é esperada em todas as esferas da vida social. Até quem era contrário passou a aderir o discurso da imunização nas últimas semanas.

O que se torna urgente nesse momento (e com razão) é impedir, prevenir e combater com todos os meios a difusão do contágio da Covid-19. Em outras palavras, é urgente imunizar-se. Mas, o que exatamente significa esse conceito de imunidade?

Podemos falar de imunidade a partir de uma linguagem biomédica: aqui, ela representa uma forma de isenção, ou de proteção, em relação a uma doença infecciosa (como a tratamos no caso da Covid-19). No âmbito jurídico, ela representa uma espécie de salvaguarda que põe alguém em uma condição de intocabilidade por parte da lei comum (como no caso da imunidade parlamentar). Em ambos os casos, imunidade é pôr alguém a salvo dos riscos aos quais está exposta toda a comunidade. É aqui que a epifania de seu antônimo se torna presente: imunidade como algo que pode ser colocado na ponta oposta da comunidade.

A palavra comunidade vem de munus, que significa obrigação, lei, ou ainda, dom. Nessa ideia, comunidade se refere às leis e obrigações mútuas que as pessoas têm em relação uma com as outras dentro de uma vida coletiva (munus comum). Ou ainda, se refere a um dom recíproco que passa continuamente de um ao outro e que não pode pertencer estavelmente a ninguém (não pode conservar para si mesmo).

Já a palavra imunidade diz respeito àquilo que não está sujeito às mesmas obrigações e leis, ou seja, que é exonerado ou dispensado pela lei da doação recíproca. No entanto, mais do que representar meramente um antônimo (um oposto), podemos perceber que um depende do outro: imunidade não se limita a negar a comunidade, protegendo-a do que lhe é externo. Ao contrário, esse conceito está inscrito no mesmo horizonte comum do munus recíproco. Imune é aquele sujeito que foi dispensado das obrigações comuns (possui autonomia em relação ao débito inicialmente contraído), mas que, ao mesmo tempo, as pressupõe.

Nesse horizonte, a palavra imunidade adquire aplicações em várias instâncias da vida social e com vários propósitos que estão conectados a essa perspectiva. Assim, fala-se de imunidade diplomática, entendida a partir do que foi estabelecido pela Convenção de Viena em 1961 (protege o diplomata de abusos, coações, pressões e ameaça no país visitante).Já ouvimos, ainda, a ideia de imunizar a população de todos aqueles que são inconvenientes, é o caso de governos totalitaristas e de regimes de exceção, como o nazismo, que queria imunizar a raça ariana dos judeus; ou do Apartheid (nos EUA e na África do Sul), que queria imunizar os brancos dos negros.

Nessa relação entre comunidade e imunidade são reconstituídas as fronteiras que separam o que é próprio (identidade imunitária) do que é comum (identidade comunitária). A imunidade pressupõe a comunidade e ao mesmo tempo a nega. Se, por um lado, os membros da comunidade são caracterizados pela obrigação e preocupação em relação ao outro, a imunidade implica na isenção ou a revogação dessa condição.

Hoje, mais do que ninguém, imunologistas apresentam preceitos a serem seguidos para conter o avanço da Covid-19 que adentra não apenas nas questões médicas, biológicas, mas também sociais e econômicas: a questão da imunização tornou-se central. Mas ela ameaça o munus comum, a coletividade, a comunidade. Assim, de um lado queremos tornar possível a imunidade para garantir a liberdade e proteger a saúde aos indivíduos. Por outro lado, precisamos estar atentos à necessidade de manter a coesão da comunidade. Lidar com essa dicotomia não tem sido fácil e parece que ainda estamos longe de encontrar respostas satisfatórias: nem conseguimos imunizar a todos, muito menos cumprir coletivamente com os preceitos científicos propostos pelos imunologistas à comunidade quando descumprimos as regras do isolamento, do uso da máscara, do álcool gel.

Enquanto quebramos cabeça na organização da comunitas, ficamos na esperança de que a imunitas aconteça o quanto antes. Mas será que depositar toda a esperança na imunidade (em detrimento da comunidade) seria o melhor para sermos humanos? Responder coletivamente aos desafios que a Covid19 nos coloca e valorizar uma ação comunitária me parece tão importante quanto a ação imunitária que a vacina almeja alcançar. Infelizmente, temos falhado tanto no primeiro aspecto quanto no segundo. Por isso, continuamos a padecer imunitária e comunitariamente.

*Antonio Djalma Braga Junior, filósofo, historiador e doutor em Filosofia. É  professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo. 

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