Contar mortos não resolve, o que é preciso é impedir o vírus de circular

Guilherme Ambar

A preocupação brasileira com a evolução do número de mortes pela COVID-19 e mais recentemente com a percentagem da população que recebeu a vacina não vai levar ao controle da epidemia. O Brasil deveria seguir o caminho dos países que tiveram êxito no bloqueio do surto, como a China e a Coréia do Sul, cuja estratégia foi centrada na localização – e eliminação – dos focos de infecção, através de testes RT-qPCR em áreas escolhidas criteriosamente.

A difusão do coronavirus está descontrolada no Brasil porque não há uma preocupação das autoridades em combater o vírus nas áreas onde predomina. O exemplo típico é o que acontece em Sapopemba, distrito de São Paulo, que registra o maior índice de casos da Capital paulista, 18.827, que já causaram 667 mortes, mais do que as registradas em 626 cidades do Estado.

Esses dados, fartamente divulgados pela mídia, indicam para o cientista que o maior foco de infecção da cidade é esse distrito de 286 mil habitantes. Não há dúvida de que centenas de moradores de Sapopemba estão infectados e a cada manhã se deslocam para outras áreas da cidade levando com eles o perigoso vírus, que assim se espalha por outras regiões.

Tanto a Coreia do Sul como a China e outros países asiáticos enfrentaram problema idêntico, bairros e distritos onde a concentração de infectados era muito alta. A diferença é que quando da simples suspeita de que uma região teria alto índice de contaminados foi feita a testagem em massa da população local, identificando precisamente onde era maior a incidência do vírus, seja num mercado a céu aberto, num conjunto habitacional, numa escola ou nos passageiros de determinada linha de ônibus.

Identificada a predominância do vírus, o próximo passo foi vacinar toda a população da área, não priorizando faixas etárias, pessoas com comorbidades ou apenas profissionais de saúde. Feita a vacinação, em duas semanas cada foco estava controlado e o vírus deixou de se espalhar. Além,  é claro, das medidas adotadas de lockdown, restringindo a movimentação dos cidadãos e monitoramento dos infectados.

No caso citado, de Sapopemba, do ponto de vista sanitário seria mais eficaz vacinar toda a população do que dispersar o imunizante nos grupos de risco de toda a cidade.

O mesmo poderia ter sido feito com maior eficácia no caso de Araraquara, também no Estado de São Paulo, que registrou um surto importante, medido como é usual pelo número de internados e mortos.

A resposta da Saúde Pública, e eficiente por sinal, foi o lockdown que permitiu uma rápida melhoria da situação. As autoridades não se preocuparam, porém, em identificar os focos de onde vinha o vírus e muito menos na vacinação da população da região para bloquear a circulação do patógeno.

Para identificar os focos, o caminho seria a testagem em massa usando testes RT-qPCR, que estão disponíveis em grande quantidade no Brasil e cuja aplicação seria rápida, permitindo a montagem de um mapa dos pontos críticos nos quais o vírus precisa ser combatido.

A identificação rápida de focos da Covid-19 também permite a construção de hospitais de campanha, que precisam ser móveis e se ajustar às necessidades locais da pandemia. No ano passado fizeram todos na capital paulista e Campinas, por exemplo, teve que mandar doentes para lá, já que a cidade no interior do estado estava com hospitais lotados e os de São Paulo permaneciam ociosos.

O programa de aplicação de testes rápidos, imunocromatográficos, e isolamento dos focos de contágio foi feito em determinada área do Brasil, entre tribos indígenas, mas passou despercebido das autoridades responsáveis.

A empresa que dirijo, a Seegene do Brasil, participou dessa experiência de sucesso muito antes da primeira vacina estar disponível no país. O programa foi aplicado pelo Instituto Raoni em 48 aldeias de 11 etnias de Mato Grosso, onde no ano passado a pandemia matou quatro índios.

Os responsáveis pela Saúde nos aldeamentos nos contataram para pedir a doação de 1.900 testes. Em menos de uma semana os testes permitiram identificar 787 índios que estavam positivos e portanto, tinha tido contato com o vírus. Na inexistência de vacina ou de hospital na mata, foram feitos isolamentos por onde o vírus estava circulando, o que bloqueou essa dispersão e manteve a sanidade de toda a população local durante vários meses, até que as vacinas chegassem. Deu certo.

No Brasil como um todo, entretanto, a aposta está sendo feito numa ‘solução’ única, todo mundo insistindo em que se consiga mais vacina mais depressa, o que não está errado, mas não basta. E não basta, porque vamos demorar muitos meses, provavelmente mais de um ano, para imunizar toda a população. Enquanto isso, pouco é feito para impedir a circulação do vírus e há mais de um ano o controle é tentado com máscara, distanciamento e lavagem constante das mãos.

Repito mais uma vez, isso não basta. É necessário usar os testes para identificar os focos de onde o vírus se espalha e vacinar em massa nesses focos. Na Ásia deu certo, a Coréia mostrou o caminho. Está na hora do Brasil fazer o mesmo.

Guilherme Ambar é biólogo e CEO da Seegene do Brasil