Spermageddon: produtos diários desregulam hormônios e reduzem qualidade de espermatozoides e óvulos

Cientistas estão preocupados com a queda na contagem de espermatozoides e na qualidade do óvulo, o que colocaria em risco a raça humana. Substâncias presentes em plásticos, cosméticos, pesticidas, enlatados e recibos eletrônicos atuam como desreguladores endócrinos, comprometendo a fertilidade.

Spermageddon: produtos diários desregulam hormônios e reduzem qualidade de espermatozoides e óvulosVocê já ouviu falar em Spermageddon? O tema foi cunhado pela imprensa americana para designar um problema que tem sido objeto de pesquisa e preocupação por grande parte dos cientistas: a infertilidade. “A contagem de espermatozoides tem caído; os meninos estão desenvolvendo mais anomalias genitais; mais meninas estão experimentando a puberdade precoce; e as mulheres adultas parecem estar sofrendo com o declínio da qualidade do ovo e mais abortos espontâneos”, explica o Dr. Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo. Não são apenas humanos. Pesquisas e livros, como Count Down (Contagem Regressiva), recente livro da autora e cientista Shanna H. Swan, PhD e um dos maiores nomes entre epidemiologistas ambientais e reprodutivos do mundo, debruçaram-se sobre o tema. Cientistas relatam anomalias genitais em várias espécies, incluindo pênis incomumente pequenos em crocodilos e lontras. Em algumas áreas, um número significativo de peixes, sapos e tartarugas exibiram órgãos masculinos e femininos.

Segundo cálculos de Shanna H. Swan, de 1973 a 2011, a contagem de espermatozoides dos homens médios nos países ocidentais havia caído 59%. O livro “Count Down” soa um sinal de alerta, com um subtítulo direto e expressivo: “Como nosso mundo moderno está ameaçando a contagem de espermatozoides, alterando o desenvolvimento reprodutivo masculino e feminino e colocando em risco o futuro da raça humana”.

A explicação para esse fenômeno nada animador é uma classe de produtos químicos chamados desreguladores endócrinos, que imitam os hormônios do corpo e, portanto, enganam nossas células. “Este é um problema específico para os fetos, pois eles se diferenciam sexualmente no início da gravidez. Os desreguladores endócrinos podem causar estragos reprodutivos”, diz o Dr. Rodrigo Rosa. “Esses desreguladores endócrinos estão por toda parte: plásticos, xampus, cosméticos, almofadas, pesticidas, alimentos enlatados e recibos de caixas eletrônicos. Eles geralmente não estão nos rótulos e podem ser difíceis de evitar”, explica o médico. “Essas substâncias são produzidas pela indústria ou natureza, através de vegetais, fungos e estão disponíveis não apenas em produtos, mas no ar, na água e até no solo, especialmente no cultivo de alimentos com agrotóxicos, medicamentos, produtos sintéticos, dentre outros”, explica Isabel Piatti, Consultora Executiva em Estética e Inovação Cosmética, especialista em Estética e Cosmetologia e Membro do Conselho Científico da Academia Brasileira de Estética Científica – ABEC. “Vários produtos químicos e seus metabólitos podem alterar a expressão de genes, inibindo-os ou ativando-os em excesso. É o caso do gene SHBG, que possui alelos que estimulam a expressão e, consequentemente, a maior produção de SHBG, o que pode levar a diminuição dos níveis de testosterona”, explica o geneticista Dr. Marcelo Sady, Pós-Doutor em Genética e diretor geral Multigene.

De acordo com Isabel Piatti, os desreguladores endócrinos nocivos mais conhecidos, presentes nos cosméticos, são: parabenos, propilenoglicol e óleo mineral, contidos em boa parte dos produtos de beleza encontrados no mercado. “Também podem ser acrescentadas à lista de componentes tóxicos as substâncias: formaldeído (formol), as quais estão presentes em cosméticos e produtos de limpeza, assim como o triclosan, amplamente encontrado em sabonetes e cremes dentais, além do chumbo, contido em itens de maquiagem, como batons. Outro exemplo é o bisfenol A, presente em embalagens plásticas de produtos diversos (cosméticos, potes para conservação de alimentos, garrafa de água etc.)”, explica Isabel. “Os parabenos, por exemplo, agem como se fossem o próprio hormônio estrogênio, o que contribui para problemas hormonais, alterações de ciclo menstrual e tumores cancerígenos, segundo estudos”, explica a especialista.

Segundo o livro, de certa forma, o declínio da contagem de espermatozóides é semelhante ao aquecimento global no que diz respeito ao tempo: é percebido há 40 anos. No entanto, a crise climática foi aceita – pelo menos pela maioria das pessoas – como uma ameaça real, mas essa turbulência reprodutiva ainda não. O livro alerta que as empresas químicas são tão imprudentes quanto as empresas de tabaco há uma geração ou os fabricantes de opióides há uma década. “No mundo, eles fazem lobby até mesmo contra os testes de segurança de desreguladores endócrinos, de modo que não temos ideia se os produtos que usamos todos os dias estão prejudicando nosso corpo ou nossos filhos. Somos todos cobaias”, explica.

Segundo o Dr. Rodrigo, por conta disso, além do declínio na contagem, um número crescente de espermatozoides parece defeituoso: há um boom no espermatozoide de duas cabeças, enquanto outros ficam sem rumo em círculos, em vez de nadar furiosamente em busca de um óvulo. “E bebês que tiveram maior exposição a um tipo de desregulador endócrino chamado ftalatos têm pênis menores, segundo o livro”, diz o médico. Os ftalatos são comuns: nos cosméticos, são responsáveis pelo brilho e pela fixação da cor de esmaltes, pela maior durabilidade de perfumes, e melhoram a textura de hidratantes, spray de cabelo, sabonetes líquidos, antitranspirantes, desodorantes, condicionadores e shampoos.

A incerteza permanece. Existem teorias concorrentes sobre se o declínio da contagem de espermatozoides é real e o que pode causar isso e sobre por que as meninas parecem estar chegando à puberdade mais cedo. Ainda assim, a Endocrine Society, a Pediatric Endocrine Society, o President’s Cancer Panel e a World Health Organization alertaram sobre os desreguladores endócrinos, e a Europa e o Canadá agiram para regulamentá-los.

Experimentos conduzidos em ratos pela Washington State University mostraram que o impacto dos desreguladores endócrinos é cumulativo, geração após geração. “Quando camundongos bebês foram expostos por apenas alguns dias a substâncias químicas desreguladoras do sistema endócrino, seus testículos, quando adultos, produziram menos espermatozoides, e essa incapacidade foi transmitida aos descendentes. Embora as descobertas de estudos com animais não possam necessariamente ser estendidas aos humanos, após três gerações dessas exposições, um quinto dos ratos machos eram inférteis”, diz o Dr. Rodrigo. “Do ponto de vista das exposições humanas, existe o que chamamos de epigenética, que é a forma como os fatores ambientais, comportamentais e sociais podem modificar a herança celular. Exposições constantes a esses desreguladores endócrinos podem favorecer o mudança genética, prejudicando a fertilidade. O excesso de exposição a produtos químicos pode induzir a diversos tipos de danos no DNA, levando então a mutações que inviabilizam o espermatozoide, contribuindo para a infertilidade masculina. E indivíduos que são portadores de alelos que comprometem os mecanismos de defesa, como o sistema antioxidante, são ainda mais suscetíveis a esses danos”, afirma o geneticista Dr. Marcelo Sady.

É claro que o livro não sentencia a previsão de extinção da humanidade, mas antevê linhagens familiares terminando para um subconjunto de pessoas inférteis. “Pessoas com espermatozoides ou óvulos prejudicados não podem exercer seu direito de escolher ter um filho. Isso pode não devastar nossa espécie, mas certamente é devastador para esses casais inférteis”, diz o Dr. Rodrigo. “Em paralelo, a evolução nos tratamentos de Reprodução Humana tem permitido ‘salvar’ algumas linhagens”, completa.

Mais pesquisas são necessárias, mas a regulamentação governamental e a responsabilidade corporativa são cruciais para gerenciar os riscos, de forma global. O livro também oferece sugestões práticas para a vida diária para aqueles com recursos. “Armazene os alimentos em recipientes de vidro, não de plástico. Acima de tudo, não aqueça alimentos em plástico ou com filme plástico por cima. Evite pesticidas. Compre produtos orgânicos, se possível. Evite tabaco ou maconha. Use uma cortina de chuveiro de algodão ou linho, não de vinil. Evite o acúmulo de poeira. Verifique os produtos de consumo que você usa, priorizando inclusive os cosméticos sem essas substâncias como parabenos, ftalatos, propilenoglicol e formol”, diz o médico. No caso dos cosméticos, Isabel afirma que a identificação no produto, quanto à presença de xenobióticos, é vista pelo INCI Name (sigla em inglês que quer dizer: Nomenclatura Internacional de Ingredientes Cosméticos). “Essa sigla contida na lista de ingredientes impressa nas embalagens dos produtos é reconhecida e padronizada em todo mundo”, diz a especialista, que compartilha abaixo o INCI Name de alguns desses componentes xenobióticos:

  • Parabenos = Phenoxyethanol, Methylparaben, Ethylparaben, Propylparaben, Butylparaben, e Isobutylparaben.
  • Propilenoglicol = Propylene Glycol.
  • Óleo Mineral = Mineral Oil, Parafin, Paraffinum Liquidum e Petrolatum.
  • Formaldeído = Quartenium, Diazolinidil Urea, Imidazolinidil Urea e DMDM Hidantoin.
  • Triclosan = Triclosan.
  • Bisfenol A = Bisphenol A.

Se eles estiverem presentes nos cosméticos, a formulação não é segura e o uso deve ser evitado. Pelo bem (e continuação) da humanidade.

FONTES:

*DR. RODRIGO ROSA: Ginecologista obstetra especialista em Reprodução Humana e sócio-fundador e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo. Membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), o médico é graduado pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM). Especialista em reprodução humana, o médico é colaborador do livro “Atlas de Reprodução Humana” da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.

*DR. MARCELO SADY: Pós-doutor em genética com foco em genética toxicológica e humana pela UNESP- Botucatu, o Dr. Marcelo Sady possui mais de 20 anos de experiência na área. Speaker, diretor Geral e Consultor Científico da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem, o especialista é professor, orientador e palestrante. Autor de diversos artigos e trabalhos científicos publicados em periódicos especializados, o Dr. Marcelo Sady fez parte do Grupo de Pesquisa Toxigenômica e Nutrigenômica da FMB – Botucatu, além de coordenar e ministrar 19 cursos da Multigene nas áreas de genética toxicológica, genômica, biologia molecular, farmacogenômica e nutrigenômica.

*ISABEL LUIZA PIATTI: Consultora Executiva em Estética e Inovação Cosmética, especialista em Estética e Cosmetologia, conselheira do Comitê Técnico de Inovação da Buona Vita, embaixadora do CIA – Centro e Instituto Internacional de Aprimoramento e Pesquisas Científicas, e Membro do Conselho Científico da Academia Brasileira de Estética Científica – ABEC. Profissional Aisthesis. Tecnóloga em Estética e Imagem Pessoal. Técnica em Estética. Pós-Graduanda em Estética e Exercício Físico na Saúde da Mulher. Especialista em Cosmetologia. Especialização em Escolas de Estética e Terapias Alternativas na Europa, na área Facial, Corporal e Bem-Estar. Palestrante no VI Congresso Mundial de Medicina Estética da IAAM/ASIME. Palestrante em Congressos da área da Saúde Estética Nacionais e Mundiais. Consultora técnica de revistas e sites da área de Beleza e Estética. Autora dos Livros “Biossegurança Estética & Imagem Pessoal – Formalização do Estabelecimento, Exigências da Vigilância Sanitária em Biossegurança” e “Gestantes: Cuidados Estéticos Durante a Gravidez”.