Matriz hídrica não deve ser abandonada no Brasil, no entanto há muito a se fazer para mantermos a produção de energia

Na última semana, o Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque fez um pronunciamento em rede nacional, apelando para a população por um esforço na redução de consumo de energia. O motivo das medidas adotadas pelo Governo é devido ao baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, em razão da escassez de chuvas, exigindo a importação de energia e acionamento de termelétricas.

Segundo Everton de Oliveira, Geólogo, Ph.D. em hidrogeologia pela Universidade de Waterloo, Canadá, Sócio-fundador da HIDROPLAN, o Professor Água do Instituto Água Sustentável, a crise do clima é uma crise da água, conforme publicado pelo próprio Banco Mundial. “As mudanças climáticas nos abriram os olhos para as matrizes energéticas limpas, algo que veio para ficar. Toda nossa cultura de uso de água deve ser pensada sob uma nova ótica pois os continentes estão secando. 15 a 25% da elevação do nível d’água dos oceanos é resultado de transferência de água dos continentes para o mar, da água doce que estava armazenada nos aquíferos subterrâneos. Os continentes estão secando, essa é uma dura realidade que precisa ser vista por todos. Precisamos encontrar saídas econômicas para armazenarmos água novamente nesses reservatórios subterrâneos, pois são eles que alimentam os rios e permitem a vida de uma forma geral”, explica.

Everton ainda afirma que pesquisadores do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) analisaram imagens de satélites desde 1985 e com ajuda de programas de inteligência artificial observaram que em 36 anos o Brasil perdeu mais de 3 milhões de hectares (15,7%) de superfície coberta água, é como se um lago do tamanho do Estado de Alagoas tivesse secado. “Isso representa uma série de danos para o meio ambiente hídrico, pesca, navegação, agricultura, energia, turismo e em consequência para a economia. Não é possível viver sem água!”, ressalta.

Crédito Denis Ferreira Netto

A origem da crise energética vem de fatores climáticos, mas também da falta de investimentos em transmissão de energia. Em 2020, tivemos a crise energética do Amapá, causada por condições extremas climáticas e falta de planejamento e contenção. “Uma chuva forte causou um incêndio que comprometeu três transformadores na subestação, atingindo 13 das 16 cidades do estado, gerando um grande apagão”, relembra Rodrigo Lagreca, CEO da startup Energia das Coisas. Segundo ele ainda, corre-se um grande risco de desligamento ou cortes programados nos horários de pico. “Se isso acontecer, residências, empresas de pequeno porte, bairros residenciais ficarão sem luz”, lamenta.

Num provável corte energético precisaremos avaliar as consequências dessa ação. “Teremos perdas nas residências e dentro das empresas. Perdas de eletrodomésticos e de equipamentos”, explica Rodrigo. “Por exemplo, uma geladeira, que é um equipamento sensível, com a variação de tensão que acontece quando temos um corte, há uma probabilidade maior que ela queime, pois foi interrompido o fornecimento de energia. Com isso, precisamos imaginar um cenário maior, abrangendo diversas cidades onde os eletrodomésticos serão ligados e desligados com uma frequência”, avalia.

O monitoramento energético, como a solução Energia das Coisas (EdC) existente no mercado, ajuda a mapear eventuais danos, isso considerando que a empresa já aderiu a uma gestão dos gastos, podendo eleger ou não os equipamentos que ficarão protegidos nesse momento de racionamento, sem prejudicar o caminhar da empresa. “Isso num cenário de racionamento, onde é preciso ter um cuidado e atenção maior”, enfatiza Rodrigo. Já no cenário residencial, existe ainda uma resistência na contratação do monitoramento, pois é feito a comparação do investimento na contratação do serviço ao que é gasto com luz. “Nesse caso, a utilização de uma ferramenta como EdC seria orientativa ao consumidor para o racionamento em si e preservação dos equipamentos e não de controle de gastos e redução do valor da fatura”, reforça.

Everton salienta que novas formas de energia limpa estão sendo criadas, o que é um fato muito auspicioso, pois a natureza não distribui igualmente fontes de energia pelo planeta, quer seja ela hídrica, eólica, solar, térmica. “Uma matriz variada e adaptada às especificidades regionais será sempre mais confiável”, reforça. Para ele, a suposta tranquilidade, se um dia houve de fato, é passageira, pois com a melhora da qualidade de vida das pessoas, independentemente do aumento da população, há um aumento do consumo de energia e não há tranquilidade se a produção não se adequar à demanda.

O fato é que, independentemente da fonte de energia adotada pelo consumidor, depende-se única e exclusivamente do clima para seu uso, seja chuva, vento ou sol. Para Rodrigo, todas as soluções disponíveis no mercado hoje são benéficas, no entanto, é preciso estudar e avaliar o uso e a melhor forma disponível no mercado para aquele cliente em específico. “Antes de investir em painéis, ou outra forma de energia renovável, a empresa precisa entender o uso da energia no estabelecimento, verificando suas principais necessidades e demandas, avaliando a partir daí o caminho a ser adotado”, explica.

Hoje é importante que a cultura de como usamos a água seja rapidamente revista para que se evite que os continentes fiquem sem água doce, que é fundamental para a manutenção da vida. “A produção de energia pela água será um indicador de que estamos fazendo a coisa certa, pois se houver água para geração de energia temos um claro indicador de que andamos para o caminho correto”, pontua Everton.

Quando questionado se é hora do Brasil abandonar a matriz hídrica, Everton é enfático em dizer que não é a hora e que esse momento não deve chegar nunca. “A saída é uma matriz variada que ofereça segurança e adaptação às regionalidades, dessa forma não poderemos jamais prescindir da matriz hídrica. Hoje usamos a água e alteramos o ciclo hidrológico sem preocupação com as consequências”, explica. “Para que no futuro essas crises sejam amenizadas, temos que preservar as florestas pois elas são fundamentais para a transferência de água por umidade pela atmosfera. Precisamos aumentar muito a infiltração de água para o subsolo para realimentar os aquíferos e manter água limpa dentro dos continentes. Precisamos criar fazendas de armazenamento de água, áreas imensas que permitam água limpa ser infiltrada para a manutenção da ecologia e da vida. Em resumo, quando se pensa na economia circular do ciclo da água, temos que considerar o ensinamento básico que tivemos para qualquer coisa: pegou alguma coisa, devolva-a ao lugar de onde tirou; se sujou, limpe. Isso vale para a água. E a matriz energética hídrica funcionando será sempre um indicador de que a vida está funcionando”, finaliza.