Música – terapia para o corpo e para a alma

Alysson Siqueira (*)

Quem já conviveu com uma pessoa que se desfaz aos poucos? Um ser humano, que segundo Bakhtin tem sua existência social, vai perdendo aos poucos os seus vínculos afetivos com os costumes, com as pessoas e com tudo mais que o fazia pertencer a algo e, por consequência, ser.

Assim pensava eu, enquanto fitava aquela mulher à mesa que, em algum lampejo de memória, me reconhecia como seu filho. Sem saber o que fazer com a comida no prato, ela era agora uma projeção daquela mulher que me dera de comer. Mesmo assim, depois da refeição, começamos a cantar, e logo aquela música lhe alegrou o coração e o sorriso que nasceu em seu rosto trouxe de volta, ainda que momentaneamente, minha mãe ao convívio da família.

O impacto que a biografia musical causa nos idosos em quadros demenciais é capaz de resgatá-los do seu isolamento ao ambiente de trocas sociais. As músicas que marcaram cada momento de sua trajetória constroem uma narrativa musical da história da sua vida, e o vínculo emocional com essas melodias as faz recordar de quem são.

O reconhecimento da importância da música no tratamento de pacientes com quadros demenciais é notório. Recentemente, ao pesquisar lares de idosos e atentar para a programação de atividades, senti-me surpreso ao ver que em todas essas casas havia atividades musicais para os moradores semanalmente. Em muitas delas, a música tem fins terapêuticos e a atividade é justamente chamada de Musicoterapia.

Provocar esse impulso em idosos com demências é apenas uma das funções da Musicoterapia em seu tratamento. Associada às expressões corporais, a música pode ser importante no desenvolvimento das funções motoras, e além de resgatar a memória afetiva do passado, pode ser importante também para o desenvolvimento de novas relações sociais. Ela serve a outros públicos também, como pessoas com transtorno do espectro autista, déficit de atenção e todas as pessoas dispostas a usar música para melhorar sua saúde mental e física.

A Musicoterapia surgiu no início do século XX, nos Estados Unidos, e ganhou força logo depois da Segunda Guerra Mundial, devido ao tratamento bem-sucedido de pacientes com traumas pós-guerra, que foram melhorando com a utilização da música como terapia.

No Brasil, os cursos de Musicoterapia começaram a surgir na década de 1960 e a profissão de musicoterapeuta tem sido cada vez mais valorizada em instituições particulares. Vencida a resistência inicial, agora a atividade precisa ser oficialmente reconhecida e requisitada também na esfera pública.

Para isso, é preciso que o projeto de lei 6379/2019, desde maio de 2021 em análise na Comissão de Constituição e Justiça, seja aprovado. Aí sim teremos o reconhecimento digno da profissão, a abertura de novas oportunidades aos musicoterapeutas e a chance de muito mais gente cuidar de sua saúde através dos efeitos benéficos da música.

Alysson Siqueira é Mestre em Música e professor da Área de Linguagens Cultural e Corporal do Centro Universitário Internacional Uninter