Redução do metabolismo, relacionada ao ganho de peso, ocorre apenas na terceira idade, aponta estudo

Pesquisa publicada em agosto na revista Science mostrou que declínio significativo do metabolismo ocorre somente por volta dos 60 anos, contrariando a crença popular de que a maior facilidade para o ganho de peso na meia-idade deve-se à diminuição do gasto calórico pelo organismo.

Ao alcançar a famosa meia-idade, por volta dos 40 anos, grande parte das pessoas começa a perceber que ganham peso com mais facilidade, lembrando com saudosismo da época em que era possível comer de tudo sem ver os números subirem na balança. “Isso ocorre porque o nosso metabolismo, ou seja, a forma como o corpo consome energia, diminui com o passar da idade. E um metabolismo mais lento faz com que queimemos menos calorias mesmo com exercícios, pois as células consomem os nutrientes mais devagar e tendem a reservar gordura para casos de necessidade. Por isso, é normal ganharmos peso quando ficamos mais velhos”, explica médico nutrólogo e geriatra Dr. Juliano Burckhardt, membro Titular da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) e da International Colleges for Advancement of Nutrology e Membro Titular da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Mas talvez a culpa do ganho de peso durante a quarta década de vida não seja, necessariamente, do metabolismo, já que, de acordo com um estudo publicado em agosto na revista científica Science, o declínio inevitável do metabolismo ocorre de forma significativa muito mais tarde do que imaginamos, somente por volta dos 60 anos.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram o gasto calórico no dia a dia de mais de 6.600 pessoas de 29 nacionalidades com idades entre 1 semana e 95 anos. “Até então, a maioria dos estudos realizados em larga escala com o objetivo de entender nosso gasto calórico mediam apenas a energia usada pelo organismo para realizar as funções básicas, como respirar e digerir, isto é, quantas calorias são necessárias para nos manter vivos. No entanto, essas funções básicas são responsáveis por queimar apenas de 50 a 70% das calorias que consumimos. Esses estudos não incluíam a energia que gastamos realizando tarefas do dia a dia, como lavar a louça ou ir à academia”, afirma o especialista. Uma maneira de contornar essa limitação e chegar a um número para o gasto energético diário total é através de um método em que os participantes do estudo ingerem água com moléculas mais pesadas de hidrogênio e oxigênio e então se mede o tempo que essas substâncias demoram para serem eliminadas por meio de um teste de urina. O problema é que essa técnica tem um custo alto, fazendo com que os estudos realizados com ela até então fossem limitados em tamanho. Para resolver essa questão, vários laboratórios compartilharam seus dados obtidos com a técnica em um único banco de dados, que foi acessado para a realização do presente estudo.

Através da análise desses dados sobre o gasto calórico ao longo de toda a vida, os pesquisadores descobriram, por exemplo, que a taxa metabólica mais alta não é durante a adolescência e o ínicio da vida adulta, como a maior parte das pessoas pensa, mas sim durante os primeiros anos de vida. De acordo com o estudo, bebês possuem um alto gasto calórico durante os primeiros 12 meses de vida, queimando calorias 50% mais rápido que adultos, afinal, crescem muito rapidamente durante esse período. Mas os pesquisadores observaram que, mesmo depois que o crescimento corporal é controlado, o gasto de energia dos bebês continua muito maior do que o esperado para o tamanho de seus corpos. “Esse metabolismo explosivo dos bebês pode ajudar a explicar por que crianças que não comem o suficiente durante o estágio de desenvolvimento têm menos probabilidade de sobreviver e crescer para se tornarem adultos saudáveis”, destaca o médico.

O estudo também mostrou que, após esse pico inicial na infância, o metabolismo desacelera cerca de 3% por ano até os 20 anos, quando volta a se estabilizar e mantêm-se assim até os 60 anos. Segundo os pesquisadores, o crescimento durante a adolescência não gerou o aumento esperado nas necessidades calóricas dado o tamanho do corpo dos adolescentes. Os dados recolhidos também sugerem que o metabolismo só começa a declinar novamente depois dos 60, com uma desaceleração gradual de apenas 0,7% ao ano. Ao chegar nas fases mais avançadas da vida, por volta dos 90 anos, uma pessoa precisa apenas de 26% menos calorias do que alguém na meia-idade. A pesquisa mostra então que podem existir outros fatores importantes por trás do ganho de peso na meia-idade. “Um dos motivos apontados pelos pesquisadores foi a perda de massa muscular que ocorre naturalmente com o passar dos anos, já que, com menor quantidade de massa muscular, queimamos menos calorias, o que contribui para o ganho de peso. Mas isso não é tudo, pois a redução no funcionamento das células do organismo também parece contribuir para o problema”, afirma o especialista.

Segundo o Dr Juliano Burckhardt, os dados obtidos através da pesquisa são extremamente relevantes, pois nos esclarecem algumas questões sobre o desenvolvimento humano e o processo de envelhecimento, ajudando assim no aperfeiçoamento de estratégias de nutrição e de manutenção da saúde ao longo da vida. “Apesar disso, mais pesquisas sobre o assunto ainda serão necessárias para realmente entendermos como esse processo afeta o organismo e tirarmos proveito desses dados”, finaliza.

FONTE: DR. JULIANO BURCKHARDT – Médico Cardiologista, Geriatra e Nutrólogo, membro Titular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). Especialista também em Clínica Médica, Medicina de Urgência e Ergometria. É membro da American Heart Association e da International Colleges for Advancement of Nutrology. Mestrando pela Universidade Católica Portuguesa, em Portugal. Atua como docente e palestrante nas suas especialidades na graduação e pós-graduação. É diretor médico do V’naia Institute. Diretor Científico Brasil da European Academy of Personalized Medicine. Membro do Corpo Clínico do Hospital Sírio Libanês.

Estudo: https://science.sciencemag.org/content/373/6556/808