Funcionalismo Público: críticas e realidade da categoria

(*) Relly Amaral Ribeiro

Nesta data em que comemoramos o dia do Servidor Público é importante relembrarmos a origem, importância e atual situação desta categoria no Brasil.

Foi de forma estratégica que a introdução de funcionários do rei se deu no Brasil com a chegada da Família Real Portuguesa em Salvador e em 1808, no Rio de Janeiro. Foram de mudança dom João VI e sua família e mais uma comitiva de funcionários e administradores ligados ao rei. Tal inserção não foi sem motivos. Antes caminhou junto com a ideia e foco na exploração, burocratização e estímulo ao desenvolvimento no Brasil.

O país aos poucos vai deixando os ares de colônia e constrói sua identidade enquanto nação, com o apoio do funcionalismo público, republicanos, proprietários de terras e pequena burguesia comercial (além de outros atores).

Já nas primeiras décadas do século XX, nos governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek, temos o inegável papel que a administração pública, com o seu forte aparato de capital humano e posição estratégica de agências nacionais e grandes estatais, trouxeram ao país, fortalecendo a mão forte do Estado e o caráter centralizador e interventor da administração pública brasileira na economia.

Em contrapartida, no final do século temos a tendência mundial de apoio ao laissez-faire: o Neoliberalismo é tendência dos anos 90 em diante, tendo no Brasil o presidente Fernando Henrique Cardoso como seu ícone. Empreende-se a Reforma Administrativa, e enxuga-se a máquina pública. A invisível mão do mercado deve reger a economia e o Estado ocupar-se de outros fins.

Com os governos petistas de Lula e Dilma retoma-se com toda força os concursos públicos e a contratação de servidores bate recorde. As críticas aos altos gastos com o funcionalismo público e máquina estatal como um todo aumentam e estimulam o advento de uma nova Reforma Administrativa.

Cabe aqui uma crítica aos críticos: esta postura leva em consideração que funcionários públicos são todos iguais, porém, vivemos em um país de dimensões continentais em que os servidores públicos são todos aqueles contratados (provisórios ou permanentes) no âmbito municipal, estadual e federal. Neste quesito, temos a maioria de até 60%, segundo o Atlas do Estado Brasileiro (Ipea,2019), recebendo menos do que R$ 2.500,00.

Será que o Brasil tem muitos funcionários públicos? A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relatório recente aponta que, ao contrário do que muito se propaga, o funcionalismo público no Brasil não é exacerbado e nem sequer significativo quando comparado a outros países do mundo. O país ocupa a 26ª posição e fica 9% abaixo da média da pesquisa, e encontra-se atrás de países como a África do Sul. Segundo o relatório, a média do Total de funcionários públicos x Total de trabalhadores é de 21%, e no Brasil esse número é de somente 12% (OCDE,2015).

Desta forma, cabe então a seguinte reflexão: a máquina estatal brasileira está realmente “inchada”, como pressupõe a proposta da Reforma Administrativa, ou seria a alta ocorrência dos “supersalários”? São supersalários aquelas remunerações que ultrapassam o teto limite de R$ 39.293,32, acrescidas de outras verbas suplementares, comuns principalmente nos altos cargos do executivo e judiciário. Esse sim é um fator impactante na administração pública.

Peguemos como exemplo o custo dos supersalários aos cofres brasileiros. O total de servidores favorecidos não é assim tão expressivo em números absolutos: 0,23% do funcionalismo público, segundo o IBGE (2020). Porém esse seleto grupo de funcionários custou aos cofres públicos em 2020 cerca de R$ 2,6 bilhões. Isto é mais que os orçamentos do Ministério do Meio Ambiente (R$ 2,2 bi), das Comunicações (R$ 1,8 bi) e Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (apenas R$ 333,3 milhões) – este último responsável por amparar a população em situação de vulnerabilidade social. Custa 8 vezes mais manter uma pequena elite do funcionalismo público do que toda a massa de brasileiros desfavorecidos, empobrecidos e marginalizados – entre eles alguns servidores.

Diante disso é justa a homenagem aos servidores públicos comuns como o seu Zé, vigilante da escola do meu filho, e a Dona Cida, merendeira – eles sim são a verdadeira cara do funcionalismo público brasileiro, que dá o sangue e o suor para cumprir o seu dever e recebe no dia a dia um salário suficiente para o suprimento de suas necessidades básicas, sem luxos ou “abonos”. São pessoas como eles que lutam no seu cotidiano para garantir o direito do sustento próprio e da família, com o mínimo de dignidade, e direito a estabilidade de não ser mandado embora por razões triviais ou pela “mão invisível” do mercado.

(*) Relly Amaral Ribeiro é Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina e Tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter