ARTIGO: As lições aprendidas por um oncologista durante a pandemia de Covid-19 no Brasil



Por Renato Furoni
Médico oncologista da Pro Onco / Oncoclínicas. Londrina-PR

A pandemia de Covid-19 não afetou apenas o jeito de viver da maioria dos brasileiros, mas também afetou a vida de grande parcela das pessoas em todos os cantos do planeta, como um todo. O isolamento social, o cuidado ao sairmos de casa para realizarmos apenas o essencial, além de medidas individuais protetivas como máscaras e higienização mais frequente das mãos são apenas algumas das “marcas” que começamos a carregar conosco a quase dois anos atrás e que, por ora, ainda devemos manter, a despeito dos inegáveis ganhos com a campanha nacional de vacinação.
Atualmente, após mais de 22 milhões de brasileiros infectados e inacreditáveis quase 620 mil vidas perdidas por esse vírus, é inquestionável o que aprendemos – infelizmente, algumas vezes de forma forçada – até aqui.
Paradoxalmente, ao nos cuidarmos mais contra a Covid-19, muitas vezes nos descuidamos de outros aspectos de nossa saúde tão ou mais importantes. Muitos de nós brasileiros deixamos de nos cuidar de forma global, como um todo, e focamos apenas no que se tornou massivo nos noticiários, ou seja, na prevenção contra o coronavírus. E não me entendam mal! Os números aterrorizantes já aqui mencionados, nos condicionaram a essa mudança de conduta, mas infelizmente, isso também se mostrou traiçoeiro. A prevenção contra a Covid-19 é sim fundamental, mas não de forma isolada em detrimento de outras doenças sérias que nunca deixaram de existir por conta desse vírus tão indesejado. Quem de nós nunca ouviu falar sobre algum conhecido que infelizmente veio a falecer de outra causa potencialmente tratável, que não Covid-19, por receio de procurar atendimento médico durante a pandemia? De forma surpreendente, voltamos a presenciar mortes por doenças ou condições até então não mais comuns hoje em dia, por exemplo, uma pessoa vir a falecer de apendicite, uma doença temida na Idade Média (“doença do lado”), mas no mundo moderno tratada com sucesso quase sempre!
Algo ainda mais sério foi visto no cenário oncológico. O câncer é a segunda maior causa de mortes no mundo e, até 2030, deve tornar-se a primeira. Se fizermos um comparativo entre o número realizado de um dos principais exames para o diagnóstico de câncer – a biópsia – entre os meses de março a dezembro de 2019 e o mesmo período de 2020, tivemos uma alarmante redução de 39,11% (Fonte: DATASUS). Isso sem contarmos outros exames essenciais e/ou as cirurgias oncológicas.
Pela queda na procura pelos serviços de saúde durante a pandemia é provável que, ao sairmos dela, enfrentaremos uma epidemia de casos avançados de câncer. Epidemia essa, de forma preocupante, com um prognóstico ainda pior per si e pelo fato de habitualmente já contarmos com um Sistema Único de Saúde “doente” e incapacitado de suprir a toda a sua demanda mesmo em tempos “normais”.
Como oncologista, lido diariamente com alegrias e tristezas, vitórias e perdas, altos e baixos, não só de pacientes, mas de familiares e, também, no âmbito pessoal. Esse é o ciclo da vida. Infelizmente, doenças cardiovasculares, o câncer e tantas outras não esperam o fim da pandemia para voltar a nos acometer e é exatamente por isso que, por mais extrema que uma situação possa parecer, nunca devemos deixar de olhar a pintura na totalidade de seu quadro para focarmos em um único ponto. O conjunto da obra é mais importante do que o detalhe focado. O que quero dizer com isso? Que não devemos deixar de cuidar globalmente de nossa saúde e concentrarmos todo o nosso foco apenas na prevenção do Covid-19, pois ambos devem caminhar juntos. Como já diziam os filósofos da Grécia antiga, a harmonia está no equilíbrio e não nos extremos. Que possamos levar isso para o resto de nossas vidas, que possamos valorizar mais nossa família, nossos laços afetivos e a nós mesmos. Talvez o chamado “novo normal” mais importante não seja esse que estamos vivendo por conta das restrições físicas da pandemia, mas sim o resgate de valores afetivos e morais reavivados pela introspecção que nos foi imposta pela pandemia. Ao meu ver, tais valores nunca deveriam ter sido deixados de lado para serem retomados agora, mas que bom que eles foram resgatados pela nossa consciência humana.
Por fim, que possamos viver a vida como ela deve ser vivida, ou seja, com alegria, amor, respeito e compaixão ao próximo pois essa é a melhor profilaxia para qualquer epidemia.