A (ir)responsabilidade das companhias aéreas no transporte de animais domésticos

Jennifer Manfrin dos Santos (*)

Em um país separado por opiniões conflitantes nos mais diversos temas, ainda que muitas vezes por argumentos ilógicos, é bastante animador observar que existe uma questão que, cada vez mais, demonstra seu potencial para unir os brasileiros: o amor pelos animais.

No dia 30 de janeiro a internet foi tomada por uma onda de alegria  alívio depois que a cadela Pandora foi finalmente encontrada. Ela havia sumido no dia 15 de dezembro de 2021, enquanto estava sob a responsabilidade da empresa aérea Gol, que deveria providenciar seu transporte de Recife até Navegantes. Em razão do seu tamanho, Pandora foi transportada no depósito de cargas. Durante uma conexão em São Paulo, ela sumiu sem deixar rastros.

Essa história serviu de combustível para reacender a discussão sobre a responsabilidade das companhias aéreas em eventuais danos causados a animais de estimação, no período em que eles estão sob sua responsabilidade. E também levanta uma nova questão: é correto transportar animais de estimação junto com as cargas?

Essa última pergunta ganha ênfase se considerarmos que, somente no ano de 2021, foi amplamente noticiado pela impressa nacional o caso de dois cachorros que morreram durante o transporte realizado pela companhia aérea Latan. Infelizmente, em uma rápida pesquisa na jurisprudência nacional, é possível verificar que esses não foram casos isolados. São inúmeros os episódios de fuga, danos e de morte de animais de estimação durante a prestação do serviço de transporte efetuado pelas companhias aéreas.

Em regra, essas situações acontecem quando os bichos são transportados no porão da aeronave. Mas o que, em um primeiro momento, parece ser uma fatalidade é uma hipótese bastante previsível para quem tem animais de estimação. Afinal, até mesmo os mais dóceis costumam ficar muito estressados quando são separados dos seus donos por um tempo considerável. Some-se a isso a temperatura dos porões das aeronaves, a presença de pessoas estranhas a eles e a obrigação de ficar preso dentro de uma minúscula caixa, por muitas horas. Temos a receita para uma tragédia.

Não há dúvidas, contudo, que essas situações podem ser levadas à análise do Poder Judiciário. Porém, como trata-se de um ilícito cível decorrente da má prestação de um serviço, a solução para o caso se dará a partir da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a fixação de indenização por danos morais e materiais que, muitas vezes, não ultrapassa o valor de dez mil reais.

Essa solução não tem o poder de desestimular o descaso das companhias aéreas, nem atender aos anseios dos proprietários que, muitas vezes, consideram seus animais de estimação membros da família. Nesse sentido, quando o Estado não toma uma posição para resolver a questão, parece que as redes sociais, novamente, servem de mola propulsora para uma mudança. Tanto é que já existem inúmeros movimentos cobrando um posicionamento do Poder Legislativo, que terá o dever de editar uma lei para permitir o transporte de animais nas cabines, junto de seus tutores, e independentemente do seu tamanho. A pressão tende a aumentar nos próximos anos, especialmente a partir do conceito das famílias multiespécies que vem ganhando força.

Certa vez Leonardo da Vinci disse: “Chegará o tempo em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e nesse dia todo crime contra um animal será um crime contra a humanidade”. Será que a época imaginada por uma das mentes mais brilhantes que já existiu está chegando? Somente o tempo dirá, mas é indubitável que, para quem tem um pet como membro de sua família, cada passo nessa direção importa.

(*) Jennifer Manfrin dos Santos é advogada, especialista em Direito Aplicado, e professora tutora nos cursos de pós-graduação em Direito do Centro Universitário Internacional Uninter