O negacionismo perdeu as eleições

Francis Ricken*

 

Muito se falava sobre os aprendizados da pandemia, possíveis lições que aprenderíamos com as situações relacionadas à privação de convívio social, mortes, dificuldades econômicas e sociais geradas pela covid-19. Todos sabem que poucas delas se demonstraram na prática e continuamos cometendo os mesmos erros do passado, dentre eles, erros políticos simples e transparentes que alguns ainda cometem.

Desde o início do espalhamento da covid-19 pelo continente europeu, visualizamos líderes políticos perdendo popularidade em decorrência de apoios irrestritos ao negacionismo e a condutas pouco cuidadosas. Tomo como o exemplo as atitudes de Boris Johnson, o Primeiro-Ministro do Reino Unido que, durante o início da pandemia, insistia em não usar máscara e costumava ter atitudes fora das etiquetas indicadas pelos profissionais de saúde, para se vangloriar de sua postura negacionista. Bom, não deu outra, foi acometido pela doença, passou alguns dias na UTI e no seu retorno não mediu esforços para se desculpar com a população do Reino Unido, não só por ter passado por momentos difíceis na sua recuperação, mas por ter visualizado que seus apoios no Parlamento Britânico estavam se esvaindo com a condução da política da pandemia.

Outro exemplo categórico foi a derrota de Donald Trump nas eleições norte-americanas, que insistia em negar a crise sanitária, mesmo com os números de mortes e internamentos cada vez maiores. E o pior, Trump perde as eleições para Biden, um candidato improvável que alinhava condutas não negacionistas e melhores condições de articulação política. Trump tinha condições de vencer com condutas mais inteligentes, mas preferiu cativar seu eleitorado mais ideológico, se alinhar à defesa de uma agenda indefensável e colheu a própria derrota, isso regado a condutas lunáticas, como a invasão do Capitólio, e acusações infundadas de fraudes eleitorais.

Sem precisar ir muito longe, podemos citar o derretimento da popularidade do presidente Bolsonaro nos últimos dois anos, sempre motivado por condutas negacionistas e desgastes verborrágicos desnecessários, um típico político que “cava a própria cova” com velocidade inegável. Mesmo com tais condutas, Bolsonaro mantém certo apoio popular que pode proporcionar uma vaga no segundo turno, algo muito pequeno para um presidente que tenta o segundo mandato, afinal, desde o estabelecimento da regra da reeleição, nenhum candidato à recondução perdeu ou esteve perto de perder uma eleição.

Outro fato que se nota é o afastamento de lideranças políticas importantes do presidente da República. Basta olhar a conduta dos vinte e sete governadores brasileiros; poucos deles assumem uma postura de apoio ao presidente no tema pandemia. Nenhum governador usa o negacionismo como plataforma política, nem mesmo os mais alinhados ao presidente Bolsonaro. Eles “dão tapinhas nas costas” do presidente, mas continuam acenando para condutas favoráveis à vacinação de sua população, afinal, são eles, juntamente com os prefeitos, que sentem na pele os reflexos de condutas negacionistas. A morte, a doença e o desemprego gerados pela covid-19 têm reflexos sociais e econômicos evidentes, somente um negacionista não consegue visualizar. Isso também vale para os apoios no Legislativo, pois deputados e senadores não conseguem assumir o ônus de condutas que impactam nas eleições de 2022, e o afastamento do presidente se torna algo sem retorno, pois quando o peso eleitoral é grande o abandono de plataformas políticas irreais se torna necessário.

O negacionismo perdeu as eleições, não só no Brasil, mas no mundo como um todo, é só olhar ao entorno para constatar que nenhum país verdadeiramente democrático suportou um líder que nega a própria realidade, e que perde a batalha da vida para um vírus que toma votos.

*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).