50 anos de “O Poderoso Chefão” e as representações do bom e do mau criminoso

Renan da Cruz Padilha Soares (*)

  Paramount Pictures/Divulgação

Em 2022, completam-se 50 anos da estreia do filme de Francis Ford Coppola: O Poderoso Chefão. Uma obra prima brilhante, com atuações magistrais e que marcou, em definitivo, seu espaço na história do cinema. Não à toa referências ao filme são repetidas em diversas outras produções audiovisuais até os dias de hoje. O Poderoso Chefão é um clássico que deve ser revisitado sempre.

 

Dito isso, também precisamos entender que as produções audiovisuais são produtos de seu tempo e espaço. Ou seja, mesmo quando ficcionais, elas reproduzirão o ponto de vista dos seus produtores e suas posições na sociedade em que ocupam. Muitas vezes, essa visão é sutil. Encontram-se nas entrelinhas, na construção de uma narrativa, nos ângulos adotados pelo diretor, nas posturas dos atores, na fotografia, entre outros detalhes.

 

Um clássico do tamanho de O Poderoso Chefão nos permite fazer centenas de análises que vão além do filme. Uma reflexão possível, muitas vezes, passa-nos despercebida: a romantização de (alguns) crimes e criminosos. A narrativa do filme nos leva, inevitavelmente, a criar empatia com os personagens principais, entender suas motivações e mesmo torcer por seu lado na história. Não que o filme esconda toda a violência do mundo dos mafiosos italianos nos Estados Unidos dos anos 1940 e 1950. Essa violência é bem explícita. Mas a forma como a história é construída nos leva, como espectadores, a simpatizar com seus protagonistas, mesmo vendo a violência de forma escancarada. Não são eles os vilões da história.

 

Não digo que um filme deve ser maniqueísta e colocar mocinhos e bandidos estereotipados. Porém, da forma como o enredo é construído, os atos criminosos da família Corleone nos parecem justificados. Além disso, valores como honra, família, lealdade e mesmo uma estranha ética acabam sobressaindo em relação à corrupção, morte e exploração dos mais vulneráveis.

 

Essa romantização de alguns tipos de crimes e criminosos não é exclusiva do cinema, nem mesmo dos Estados Unidos. Trazendo para nossa realidade, nos anos 1980, vimos a glamourização dos chefes do jogo do bicho, entre eles, sua figura mais conhecida, Castor de Andrade. Castor era retratado na imprensa mais vezes nas colunas sociais do que nas páginas criminais. Sua violência nas disputas por territórios no Rio de Janeiro era conhecida, a corrupção e sua ligação com a Ditadura Militar (1964-1985), quando ele foi entrevistado pelo apresentador Jô Soares, dando boas risadas sobre sua trajetória de vida. Para não sairmos do audiovisual, o documentário Doutor Castor, dirigido por Marco Antonio Araújo, aborda a complexidade dessa figura violenta e carismática de forma incrível.

 

Mas, se há um criminoso romantizado pela comunicação e pela sociedade, há aquele que normalmente é estereotipado e seus atos não ganham justificativas embelezadoras. Esse recorte possui claro componente de classe e étnico. O bom criminoso, não coincidentemente, parece ser sempre o branco, bem relacionado. No imaginário social (reproduzido em obras ficcionais ou não), há o jovem de classe média preso vendendo drogas e há o traficante, o homem negro e favelado. Suas atividades em nada se diferem, mas seu tratamento na mídia e na justiça podem ganhar caminhos muito opostos.

 

O Poderoso Chefão é um clássico que deve ser visto por todos aqueles que amam cinema. E uma obra artística tão importante nos permite realizar complexas análises que vão além de suas questões técnicas. Tais obras podem se tornar espelhos sociais que refletem a mentalidade de uma época e nos permite pensar as permanências e transformações de nossa contemporaneidade.

 

*Renan da Cruz Padilha Soares é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Práticas na Educação Básica pelo Colégio Pedro II. É docente da área de Linguagens e Sociedade, curso de História, no Centro Universitário Internacional Uninter.