Até onde a telemedicina pode nos levar? Até a guerra, se for preciso. Na Ucrânia médicos estão salvando vidas à distância

 

por Anna Clara Rabha que é Mestranda em Pediatria e Ciências aplicadas à Pediatria pela Unifesp, integrante dos Comitês de Saúde Digital e de Imunodeficiência da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia e médica da Tuinda Care, startup que tem como aceleradores os hospitais infantis Pequeno Príncipe (PR) e Sabará (SP)

A população mundial vem envelhecendo com o aumento da expectativa de vida e, no Brasil, seguimos essa tendência. Nossa pirâmide populacional está “engordando” e a estimativa é que, em 2060, um quarto das pessoas no país terá 65 anos ou mais, segundo o IBGE. A OMS declarou que essa será a década do envelhecimento saudável e instituiu uma estratégia global que reunirá governos, sociedade civil, agências internacionais, profissionais, academia, mídia e o setor privado para melhorar a vida dos idosos.

Com 25% da população acima dos 65 anos, precisaremos de mais médicos, mais enfermeiros, mais fisioterapeutas, mais leitos, mais clínicas, mais hospitais, mais, mais e mais e a conta não irá fechar. E é aí que a tecnologia poderá desempenhar um papel crucial para otimizar recursos e ampliar a eficiência.

Os mais velhos precisam de mais atenção de médicos e profissionais de saúde e o gargalo para os atendimentos será um dos grandes problemas para a saúde privada e, principalmente, para a pública. A Covid-19 nos mostrou o que significa o colapso da área de saúde, assistimos ao desespero de equipes para conseguir atender pacientes que lotavam os corredores dos hospitais e a aflição das famílias em busca de um leito de UTI ou mesmo um atendimento primário.

Os exemplos mundiais que deram bons resultados no atendimento à saúde estão focados na ampliação da atenção primária, o chamado médico de família. Modelo esse que está ganhando cada vez mais força no Brasil. Neles, as linhas de cuidado ganham uma abordagem multidisciplinar e passam a tratar da saúde do paciente em um contexto mais amplo, que envolve desde o estilo de vida, alimentação, saúde mental, até o contexto socioeconômico do paciente.

Associado a tudo isso, a tecnologia ajudará a alavancar o trabalho dos médicos e dos profissionais de saúde, otimizando recursos independente da localidade geográfica, auxiliando na detecção precoce de doenças por meio de inteligência artificial, fazendo triagem de forma remota e automatizada para desafogar clínicas, laboratórios e hospitais de casos simples para que os mais complexos possam ser priorizados.

Hoje já conseguimos ver o impacto que a tecnologia traz para o acesso à saúde em diversos contextos. O uso da telemedicina, por exemplo, aumentou a eficiência dos profissionais, reduzindo custos por não utilizar espaços físicos para receber todos os pacientes, otimizando o tempo ao evitar deslocamentos desnecessários e amplificando a capacidade de atendimento das estruturas existentes. Temos diversos exemplos de teleatendimento a populações carentes que, antes, não tinham acesso ao atendimento médico seja por falta de profissionais em sua região ou por falta de recursos financeiros. Sem barreiras geográficas e otimizando os recursos existentes, a telemedicina consegue levar a essas pessoas a atenção de que precisam.

E ela vai além, muito do que poderíamos imaginar. Chegou ao fronte de guerra, nas trincheiras da Ucrânia. O ‘arsenal telemédico’ usado nas vítimas do conflito com a Rússia precisa apenas de internet para funcionar e um kit tecnológico que cabe na palma da mão. Médicos baseados em Tel Aviv, do maior hospital israelense, Sheba Medical Center, trabalham em conjunto com a United Hatzalah Israel, a maior organização independente de apoio voluntário e sem fins lucrativos do país, para prestar teleatendimento a ucranianos em área de conflito.

O kit tecnológico, desenvolvido em Israel, denominado TytoCare, e que pode realizar uma série de exames a mais de dois mil quilômetros de distância também já é utilizado por hospitais, planos de saúde e universidades de medicina no Brasil, desde 2020, inclusive em projetos sociais, em comunidades carentes e aldeias indígenas. Se a guerra não tem limites a tecnologia e ajuda humanitária também não.