Existem cerca de 500 espécies de primatas no planeta Terra e 60% delas correm risco de extinção. No Brasil, país com o maior número de espécies conhecidas, 35 das 139 são consideradas ameaçadas, de acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No entanto, as principais ameaças aos macacos também são grandes riscos para a humanidade, e a maior parte é gerada justamente pelo homem.
Um exemplo é o novo ciclo de febre amarela que preocupa o estado de São Paulo e gerou a extinção dos macacos do Horto Florestal, na zona norte de São Paulo, no final de 2017 e o fechamento de parques da cidade. De acordo com o especialista em primatas e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Sérgio Lucena Mendes, o desenvolvimento da doença se torna mais propício pela redução das áreas silvestres e consequente avanço das cidades. Quando adicionamos outros fatores, como mudança climática, por exemplo, a equação se torna ainda mais complicada. “É preciso ver o surto com um olhar ecológico, além da preocupação com a saúde humana. Para controlar a febre amarela é preciso, necessariamente, preservar os habitats naturais e suas espécies nativas. Desflorestar e matar macacos não impede a circulação do vírus da doença e pode até piorar a situação”, analisa.
O especialista explica a relação entre a sobrevivência de humanos, dos primatas e o desmatamento. “Enquanto os macacos precisam da floresta para sobreviver e são afetados diretamente pelo desmatamento, nós humanos gostamos de acreditar que não sentimos os impactos tão rapidamente e invadimos o habitat deles para plantar ou para realizar obras. O que não percebemos é que os serviços ambientais prestados pelas florestas são essenciais para nós. Qualidade do ar, abastecimento e qualidade da água, manutenção da temperatura e do clima, entre outros, são vitais para a humanidade”, analisa Mendes.
Um estudo publicado em 2017, na Revista Science Advances divulgou que além das espécies ameaçadas, outras também devem desaparecer nos próximos 25 anos, a não ser que a conservação se torne uma prioridade. A expansão da humanidade pode ser citada como a principal causa para a redução que está sendo observada. A perda de habitat, causada pelo desmatamento, é uma das razões mais impactantes, explica o biólogo Fabiano Melo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). “A redução de habitat é a principal causa de ameaça aos primatas há décadas, com a caça sendo um impacto decisivo nesses ambientes fragmentados”. O desmatamento que acontece em todo o País é consequência de grandes obras de infraestrutura, da ampliação do agronegócio e do crescimento humano desordenado, entre outras questões”, alerta.
Planeta dos macacos em risco
A redução da população de primatas no Brasil e no mundo é um alerta importante por diversos aspectos. Além do desmatamento, uma ameaça mais visível, há também outros fatores relevantes, como o grau de conservação das florestas e questões de saúde tanto dos animais como da comunidade.
A bióloga Cecília Kierulff explica que a diversidade de animais também é importante para a manutenção da qualidade de vida das pessoas. “Além da preocupação com o desmatamento, também temos que garantir a presença de diferentes animais nessas áreas. Não basta ter uma floresta vazia, é preciso ter toda uma rede de animais que exercem diferentes funções na natureza, desde insetos polinizadores até animais como onças e gaviões que estão no topo da cadeia”, conta ela, que também faz parte da RECN.
A febre amarela é outro exemplo de como a degradação das florestas pode prejudicar o bem-estar da comunidade e colocar em risco as populações de primatas. No início do ano, milhares de mortes, tanto de humanos e muito mais de primatas, aconteceram devido à contaminação provocada por mosquitos dos gêneros Sabethes e Haemagogus, que vivem especificamente em ambientes florestais. A proximidade cada vez maior das áreas urbanas às florestas facilita a disseminação da doença, que é letal para os primatas e dizimou espécies nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte. “A saúde humana está intimamente relacionada à saúde do meio ambiente. O controle da febre amarela inclui, necessariamente, a preservação dos habitats naturais e suas espécies nativas”, alerta Sérgio Lucena Mendes, que também ressalta: “com a volta das temperaturas altas, a doença pode voltar a ter as mesmas consequências que vimos no início do ano. Alguns casos de morte de macacos em São Paulo já nos apontam nessa direção”. Com a falta de vacinação, uma tragédia muito maior pode ocorrer, uma vez que o mosquito transmissor da dengue, da chikungunya e da zika, conhecido como Aedes aegypti, também pode ser o vetor da febre amarela nas áreas urbanas, potencializando os riscos. Felizmente, isso não ocorre no Brasil desde 1942.
Conservação da saúde e do meio ambiente
Como a conservação dos primatas e a preservação do habitat onde vivem são fatores intimamente ligados, pesquisadores de diferentes áreas do Brasil atuam em projetos que atuam em ambas as frentes.
A bióloga Cecília Kierulff, por exemplo, comemora a ampliação da Reserva Biológica União, criada em 1998 na região de Rio das Ostras, no estado do Rio de Janeiro. O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) estava extinto no local, mas, em 1994 Cecília remanejou 42 micos-leões-dourados para a área por meio de um projeto apoiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Hoje há mais de 300 micos-leões na Reserva. Além do benefício para o meio ambiente, que ganhou mais uma área de proteção ambiental, que beneficia todas as espécies que ali existem, os micos puderam passar de “Criticamente em Perigo”, de acordo com a classificação da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, a chamada Lista Vermelha, para “Em Perigo”. Apesar de continuar ameaçado, a situação de conservação do mico-leão-dourado melhorou.
Na região Sudeste, o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), uma das espécies de primatas mais ameaçadas do mundo, está sendo beneficiado por dois projetos apoiados pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Um no Espírito Santo, que prevê a elaboração de um plano de manejo e maior conhecimento da população de muriquis na região serrana do estado, além de ações de conscientização e engajamento da comunidade. Em Minas Gerais, a conservação do muriqui-do-norte ganhou apoio tecnológico inédito, com o desenvolvimento de um drone com câmera ultra HD e termal para monitoramento da espécie.
O mesmo acontece com o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides). Uma pequena população da espécie, que era considerado extinto no Paraná há décadas, foi encontrada em fragmentos florestais, em 2002, em uma região com baixa densidade populacional. Esse fato ressaltou a importância da conservação dessas áreas em que a espécie ainda sobrevive. Carlos Hugo Rocha, engenheiro agrônomo, professor da UEPG e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, conduz o projeto para caracterização socioeconômica da região, no Vale do Ribeira, no Paraná. O objetivo é apoiar estudos para a criação de uma área protegida associada à definição de políticas públicas para a conservação do muriqui-do-sul, que é considerado “em Perigo”, pelo ICMBio.
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