Para traçar um perfil das pacientes e entender melhor os impactos da endometriose na vida das mulheres brasileiras, o Gapendi (Grupo de Apoio às Portadoras de Endometriose e Infertilidade), juntamente com o ginecologista Dr. Edvaldo Cavalcante, especialista no tratamento clínico e cirúrgico da endometriose, realizaram uma pesquisa com 3 mil mulheres, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2018.
Diagnóstico e Tratamento
A pesquisa brasileira confirmou o que a literatura internacional mostra: o diagnóstico da endometriose é demorado. Por aqui, 38% das mulheres demoram de 5 a 8 anos para ter a confirmação, sendo que 14% demoram mais de 8 anos. A média mundial é de 7 anos.
Além da demora no diagnóstico, as entrevistadas afirmaram que tiveram de passar por vários médicos até chegar a um especialista capaz de dar a palavra final e tratar adequadamente a condição.
No Brasil, a pesquisa mostrou que 74,8% das mulheres precisaram visitar mais de 3 médicos para receber a confirmação do diagnóstico. Em relação ao tratamento, 7 em cada 10 mulheres com endometriose precisaram fazer ao menos uma cirurgia para tratar a doença.
Dor crônica
Um dos aspectos que mais impactam na qualidade de vida das mulheres com endometriose é a dor. E esse sintoma faz parte, quase que diariamente, da vida de 45% das entrevistadas. E para 34,8% delas, a dor está presente cerca de 15 dias por mês.
“Embora algumas mulheres sejam assintomáticas, essa pesquisa mostrou que no Brasil a maioria das pacientes sente dor. A dor é um dos sintomas que mais afetam a saúde física e emocional das mulheres, podendo inclusive impedi-las de realizar as atividades mais básicas, como trabalhar, estudar, namorar, entre outras”, comenta Dr. Edvaldo.
E a pesquisa corroborou essa informação: 8 em cada 10 mulheres afirmaram que já deixaram de trabalhar, namorar, sair com amigos, brincar com os filhos, limpar a casa, entre outras atividades cotidianas, devido à endometriose.
Vida profissional
Como qualquer doença crônica, a endometriose interfere negativamente na vida profissional das mulheres com esta condição. A pesquisa revelou que 6 em cada 10 faltam ou já faltaram ao trabalho devido ao tratamento ou à dor. E tem mais: 48% das entrevistadas já precisaram entrar no auxílio-doença, pelo menos uma vez.
“Esses dados confirmam o que os estudos internacionais já demonstraram: as mulheres com endometriose, quando comparadas à população saudável, têm uma renda menor e um importante impacto financeiro por conta da doença”, reflete Marília Gabriela, uma das fundadoras do Gapendi, que chegou a ficar cinco anos afastada do trabalho devido às complicações da endometriose.
Estigma
A maioria das mulheres, 55,8%, afirmou que a família, os colegas de trabalho e os amigos não entendem o que é conviver com a doença. Segundo a maioria das entrevistadas, as pessoas próximas consideram as queixas como “frescura” ou “exagero”, o que contribui para estigmatizar ainda mais a condição.
“Boa parte das mulheres sente cólicas menstruais e sempre ouvimos falar que isso é normal. Porém, as cólicas nas mulheres que têm endometriose são muito intensas e incapacitantes, não passam com analgésicos simples e compressas mornas. Muitas vezes, é preciso ir para a emergência de um hospital para ter alívio da dor. O estigma da “frescura” ou do “exagero” é reforçado por quem não conhece a doença e afeta ainda mais o estado psicológico das mulheres que são atingidas pela doença”, reflete Marília.
Comorbidades
A endometriose é uma doença que não vem só. Ela traz consigo outras condições de saúde, ou seja, comorbidades. A pesquisa mostrou que 50% das entrevistadas recebeu o diagnóstico de ansiedade e estresse e um terço de depressão. Já a infertilidade, outro aspecto importante da endometriose, atinge 55% das mulheres brasileiras diagnosticadas com a patologia.
Apesar do impacto na saúde mental, a pesquisa revelou que a maioria das portadoras de endometriose não é orientada a procurar apoio psicoterápico para lidar com a doença e metade daquelas que são orientadas não o faz por falta de recursos financeiros.
Como as brasileiras lidam com a endometriose
É na internet, mais especificamente nos grupos de ajuda, que 67% das brasileiras com endometriose encontram apoio para lidar com a doença. Para Marília Gabriela, diagnosticada com a endometriose em 2008, esse é um dado muito importante. “O Gapendi foi criado em 2009 por mulheres com endometriose que passavam pelas mesmas dificuldades, como falta de médicos especialistas, dores, falta de apoio, preconceito, etc. Se hoje a doença ainda é incompreendida, imagine há 10 anos”.
“Quando a mulher descobre a endometriose se sente muito perdida e sozinha e pode até questionar se o diagnóstico está correto. Nos grupos, essa mulher se sente acolhida e percebe que não está sozinha, uma ajuda a outra. Inclusive, nosso grupo e os demais preenchem essa lacuna da falta de acesso à psicoterapia”, comenta Marília.
Ranking
Por último e não menos importante, a pesquisa trouxe um ranking das áreas mais afetadas pela endometriose. Em primeiro lugar ficou a autoestima. “A endometriose afeta muito nossa autoestima. O tratamento clínico é feito com hormônios que engordam. Muitas apresentam inchaço abdominal intenso. Outras precisam passar por diversas cirurgias e, em muitos casos, tirar os órgãos reprodutores. Isso pode impactar, por exemplo, na impossibilidade de ter filhos e gera um sentimento de incapacidade, de ser menos mulher”, comenta Marília.
leda@agenciahealth.com.br