Início Colunas e Artigos Artigos As bolsas de valores deveriam temer um aumento das taxas de juros?

As bolsas de valores deveriam temer um aumento das taxas de juros?

0

*Didier Saint-Georges, membro do comitê de investimento da Carmignac

Pela primeira vez desde 2015, os juros da dívida pública dos Estados Unidos para dez anos ultrapassaram o limiar de 3% em abril e, atualmente, ainda se encontram ao redor desse nível. Esta tensão a respeito dos juros afetou drasticamente o mercado de ações americano. Para compreender bem esta sensibilidade da renda variável em relação às taxas de juros é necessário perguntar-se quais são as causas deste aumento.

Poderíamos atribuir à melhora repentina dos índices de crescimento econômico em ambos os lados do oceano Atlântico a razão desta tendência? Não, muito pelo contrário: os indicadores econômicos do mundo todo foram motivo de preocupação no primeiro trimestre após dois anos de surpresas positivas. Os dados continuam apresentando um bom nível, mas a sua dinâmica começa a desacelerar. Portanto, é compreensível que os mercados de renda variável não vejam com bons olhos esta degradação dos mercados de bônus, que não constitui de nenhuma maneira o reflexo de uma melhora econômica.

Mas, então, qual é a causa desta desaceleração? Poderia se dever a uma alta inflacionária? Talvez esta seja uma pista no caso dos Estados Unidos. De fato, o ritmo anual da inflação chegou a 2,4 % em abril e pode manter esta progressão se o preço do barril de petróleo se mantiver na mesma vereda. Além disso, o baixíssimo nível de desemprego faz com que muitos temam que o início das pressões salariais promova uma alta inflacionária. No entanto, é complicado determinar uma ameaça a médio prazo, visto que as tendências a longo prazo da demografia, do endividamento e da “amazonificação” da economia constituem férreas pressões deflacionárias. Recentemente, o Fed confirmou mais uma vez que não se deixará impressionar pelo encarecimento passageiro dos preços. Na zona do euro, em compensação, não há engano possível: o ritmo da inflação continua sem invadir o terreno dos 2%, conforme o objetivo estabelecido pelo Banco Central Europeu. O seu nível estimado de 1,2 % anualizado para o mês de abril confirmou a sua debilidade constante.

Então, se não se trata nem do crescimento econômico nem da inflação, como explicar a alta das taxas de juros da dívida pública dos Estados Unidos, que contamina parcialmente os juros europeus e já assusta os mercados de renda variável? É simplesmente uma perturbação no equilíbrio entre a oferta e a procura da dívida pública, dado que, efetivamente, está ocorrendo uma colisão entre as crescentes emissões de bônus por parte do Tesouro dos Estados Unidos, necessárias para o financiamento do déficit orçamentário do Governo, e um banco central que deixou de comprar estes títulos, como já o fez de 2009 a 2014, e, ao contrário, passou a vendê-los. “O excesso de liquidez”, o grande negócio dos últimos dez anos para os investidores está prestes a ser reabsorvido. A esta mudança soma-se um fator que, embora seja de caráter técnico, não é menos decisivo: o aumento protagonizado pelas taxas de juros dos Estados Unidos, a curto prazo, que foram impulsionadas pelas enormes necessidades de refinanciamento da dívida existente e chegaram a níveis muito superiores aos juros da dívida europeia ou japonesa. Portanto, este aumento elevou o custo da cobertura do risco cambial para os investidores estrangeiros que se propõem a adquirir ativos financeiros no país. A consequência deste fenômeno é que os compradores tradicionais, que historicamente têm sido os bancos centrais estrangeiros (entre eles, o chinês e o japonês) e os investidores institucionais com todo tipo de horizonte, mostram hoje em dia pouco interesse pela dívida dos Estados Unidos… a não ser que assumam um risco cambial significativo, algo que não pretendem fazer, ou que esta ofereça rendimentos muito mais elevados.

Desta forma, a alta das taxas de juros da dívida pública dos Estados Unidos é explicada pela lei da oferta e da procura e, portanto, ameaça penalizar duplamente os mercados de renda variável: em primeiro lugar, porque poderia continuar, apesar de uma desaceleração do crescimento econômico e, em segundo lugar, porque, tendo em vista que as mesmas causas provocam os mesmos efeitos, os investidores que durante anos se sentiram estimulados pela redução das taxas de juro a comprar ativos de renda variável e de dívidas corporativas poderiam pretender trilhar o caminho inverso.

Sair da versão mobile