Não me convidaram para esta festa

Daniel Medeiros*

A atividade econômica no Brasil é pautada pelo fomento do Estado. Ou é o Estado financiando, ou desonerando, ou isentando, ou imunizando. Da mesma forma, as relações sociais são pautadas pelo Estado, partindo da perspectiva de que os cidadãos são incapazes de conciliar seus interesses por conta própria. Ou o Estado media ou será o caos. Igualmente, o Estado financia as atividades religiosas, criando verdadeiros oásis de isenções e imunidade para templos e atividades vinculadas aos ofícios religiosos, como se o ministério de Deus só fosse possível com a mão santa do poder público (e laico!). E não esqueçamos das empresas de comunicação – jornais, revistas, tevê, editoras etc. – que, igualmente, recebem benesses do Estado para o exercício de sua atividade cidadã de informar e instruir. Também as escolas e universidades têm apoio do poder público. Da mesma forma, o chamado Sistema S (Senai, Senac, Sesi, Sesc, Sebrae, Senar) recebe auxílio do Estado.

Na verdade, a lista não tem fim. Somos uma sociedade enredada aos recursos do Estado e aparentemente incapazes de nos livrar desse engodo. Um vício de nascença. Praticamente toda iniciativa tem o dedo do Estado. Privatizações? O BNDES foi o maior “comprador”. Financiamento da cultura e artes? A Lei Rouanet troca o “apoio” da iniciativa privada por isenções. Ampliação de vagas nas faculdades, maior oportunidade de formação para os jovens pobres? O governo paga essas vagas por meio do ProUni. Mesmo assim, muitas empresas não recolhem as contribuições previdenciárias, não pagam o FGTS devido, não honram suas dívidas com juros subsidiados do BNDES ou Caixa Econômica. E o que acontece? O Refis. O governo abate até 90% das dívidas em troca de um novo acordo de pagamento.

Recentemente descobriu-se que as ONGs entraram nessa festa. Muitas delas, fortemente subsidiadas por patrocínios ou repasse de verbas, cresceram à sombra do poder público. Um verdadeiro oxímoro. Pegaram carona no que muitos institutos, fundações, associações de assistência já faziam há muito tempo. Ninguém vive sem o governo.

Diante desse cenário do que se pode chamar de capitalismo de laços, esse patrimonialismo de anfitriões e convivas às custas dos impostos diretos e (principalmente) indiretos, pagos pela imensa maioria da população, não deveriam ser de estranhar os escândalos de corrupção. Eles são a rombuda ponta do iceberg de uma cultura econômica e política na qual o desenvolvimento de qualquer atividade – com raras e honrosas exceções – acaba esbarrando na possibilidade de um enquadramento em uma lei ou portaria ou decreto ou resolução na qual é possível obter um financiamento subsidiado ou uma desoneração ou isenção ou uma renegociação da dívida. Se o presidente da ONG Afroreggae, José Junior, não consegue mais pagar as contas porque a Petrobras não financia mais o seu projeto social, ele não é exceção. Ele é apenas mais uma cara desse país descarado.

 

*Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor do Curso Positivo.

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