Atualmente pensamos no estudo da História sob aspectos inimagináveis algumas décadas atrás: história das ideias, história do cotidiano, história das imaginações, histórias do feminismo, e muitas outras, que nos autorizam a percepção de outros modos de interação entre fatos e suas consequências em outras áreas da atividade humana, e com a ficção.
Uma boa forma de atrair adolescentes e mesmo crianças para a aprendizagem sobre a história e sociologia brasileira ou mundial, certamente está nos romances históricos. As narrativas literárias que dialogam com realidades anteriores podem permitir uma nova forma de aprender sobre costumes, roupas, gastronomia, relacionamentos, e, embora concretamente toda ficção possa ser considerada sob uma perspectiva do real – por mais que os personagens sejam marcianos, nós atribuímos a eles sentimentos, orgulhos, crueldades, ambições, bondades, que são tipicamente humanas e que reconhecemos em nossas comunidades – a leitura sobre fatos antigos, efetivamente acontecidos, tem uma magia extra, pois nele reconhecemos muito de nossa constituição e até caráter.
É como se esta ficção constituísse uma espécie de intertextualidade, que, sem ser inédita, pois atualmente já reconhecemos toda originalidade como ilusória, cria-se sempre a partir de algo anterior, estabelece confabulação entre presente e o já transcorrido.
Outra forma interessante é por meio de filmes que retratam períodos que, de uma forma ou outra, tiveram grande impacto nas características da civilização humana, ou capacidade de interpretação da realidade e desenvolvimento do senso crítico, como aqueles dedicados ao nazismo, à escravidão, às grandes navegações e outros temas, embora alguns eventualmente tragam incorreções e “liberdades poéticas” excessiva em relação ao efetivamente transcorrido, e possam trazer mais malefícios que benefícios à aprendizagem. É indispensável um professor interessado e dedicado para separar o puramente ficcional, as vezes pura diversão sem valor educativo, da ficção histórica que, mesmo que modernizando a linguagem e trajes, auxilie verdadeiramente a concepção de determinados acontecimentos.
Trata-se de um palimpsesto, como se denominava o manuscrito em pergaminho que, após ser raspado e polido, era novamente aproveitado para a escrita de outros textos, usual na Idade Média para aproveitamento de material, e seu caráter intertextual comporta veracidade, documentos, figuras públicas ao lado de outras puramente ficcionais, uma interação moderna, de hipertexto, em que várias camadas de conhecimentos podem estar contidas.
É possível assim desenvolver alteridade, no equilíbrio entre informação e sua interpretação, diferenças entre sociedades atuais e anteriores, observação acurada das experiências individuais, de atitudes de personagens célebres ou obscuras, modos de expansão predadores ou sustentáveis, atividades mais ou menos produtivas na evolução humana como um todo.
Hoje, bibliotecas digitais disponibilizam praticamente tudo, do melhor ao pior já produzido, e a nuvem parece ter capacidade ilimitada de armazenamento, tornando o conhecimento acessível a todos, porém nem sempre de forma palatável para os muito jovens. Tornar atraente o estudo do passado, envolvendo-o nas intrigas, teia de relacionamentos, amores e ódios, trazendo ao plano do vivencial o já desaparecido, torna humanos estes personagens perdidos nas brumas do tempo, atualiza seus sentimentos e aproxima dos nossos, trazendo lições importantes e caminhos a evitar ou percorrer.
É esta a característica do que denominamos educação: o processo pelo qual assumimos as normas, elaboramos e apreendemos os valores de nossas comunidades, assim como de nossas famílias: refletimos nosso entorno, os preceitos comunitários, imitamos comportamentos.
A construção do conhecimento apenas se fará solidamente assentada em nosso passado, imediato ou longínquo, aprendendo e ensinando e seguindo a lição, parodiando uma antiga canção.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. <wcmc@mps.com.br>