Acedriana Vicente Vogel*
Na próxima semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá pela procedência ou não dos embargos de declaração frente ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 888.815, que trata a respeito da legalidade e constitucionalidade do ensino domiciliar (ou homeschooling) no Brasil. Enquanto isso, o assunto é uma das prioridades dos 100 primeiros dias de governo do Presidente Jair Bolsonaro, que assinou, no dia 11 de abril, um Projeto de Lei (PL) que visa regulamentar a modalidade. Para entrar em vigor, o PL precisa, ainda, passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Até que isso aconteça, o homeschooling não tem previsão legal no Brasil e, caso receba mais uma negativa do STF, pode se tornar inconstitucional.
No Brasil, segundo a Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), há cerca de 15 mil estudantes em educação domiciliar. Os argumentos de defesa dessa modalidade de ensino são de que os filhos estariam mais seguros em casa, do ponto de vista físico e psicológico, sobretudo no que se refere ao bullying, e questionam a qualidade do ensino escolar muito respaldado em convicções ideológicas e religiosas. Mas, até quando essas crianças e jovens terão que ficar trancafiados em suas casas? Serão “protegidos” do convívio social até a vida adulta?
Como assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho – sendo um dever solidário entre o Estado e a família, presente no artigo 205 da constituição – sem preservar o espaço coletivo da escola? Ainda não foi inventado nada melhor que o ambiente escolar. Podemos e devemos exigir que a escola seja mais empática com o mundo infanto-juvenil. Que atualize as suas narrativas, integre linguagens e assegure melhores condições para a aprendizagem e o desenvolvimento humano.
Porém, por mais que os responsáveis ofereçam outras oportunidades de convivência para as crianças e jovens em homeschooling, a longo prazo é pouco provável que consigam suprir os benefícios da convivência em grupo e da pluralidade de experiências cognitivas, sociais, culturais e afetivas que a escola proporciona. A diversidade precisa ser entendida como uma riqueza e contribui sobremaneira para o processo civilizatório. A formação integral dos estudantes em grande parte depende da socialização com os seus pares e com a pluralidade de professores – profissionais especializados.
Somado a isso, a escola é a que mais demanda denúncias de abusos ocorridos por pais, mães e responsáveis contra a criança e adolescente nos conselhos tutelares. Com a modalidade do ensino domiciliar aprovada, esses crimes podem acabar ficando velados no espaço da família, visto que o Ministério da Educação e suas Secretarias já possuem dificuldade de fiscalizar adequadamente o funcionamento das escolas, imagine tendo que assumir a fiscalização em domicílios, bem como a aprovação e avaliação de planos pedagógicos individualizados.
Quando nós pensamos que, das dez competências gerais da BNCC, temos apenas uma diretamente relacionada ao conhecimento, fica mais simples defender a preservação do espaço coletivo escolar, como condição para qualificar outras competências como a comunicação e a argumentação, por exemplo, além de ser fundamental para aprender a empatia e a cooperação, que definem a qualidade de ser gente nesse mundo. É no contraponto, convivendo com quem pensa diferente, com quem professa fé diferente, que enriqueço o meu argumento e desenho os limites na relação com o outro e a natureza, trabalhando as frustrações e aprendendo a ser humano, um ser social por natureza.
*Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica da Editora Positivo.