Uma questão que tem ocupado os debates sobre a reforma da Previdência diz respeito à diferença da aposentadoria entre homens e mulheres. Considerando o sistema atual, tem-se que mulheres podem se aposentar ao completar 60 anos, enquanto a idade exigida para os homens é de 65 anos. Essa e outras regras, em tese, colocariam a mulher em uma posição privilegiada.
“Em tese”, pois na prática a diferença de idade entre homens e mulheres foi pensada considerando circunstâncias que se mantêm atuais. Pesquisas retratam com clareza a desigualdade laboral entre homens e mulheres, considerando aspectos como o tempo gasto com afazeres domésticos, a proporção de ocupados em trabalho por tempo parcial e os rendimentos médios de trabalho. Os dados que serão explorados a seguir constam na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), de 2016, divulgados no estudo Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, do IBGE, com atualizações até 2018.
Com relação ao tempo gasto com afazeres domésticos, no qual se inclui o tempo dispensado com o cuidado de outras pessoas (notadamente filhos e outros familiares), tem-se que mulheres gastam, semanalmente, cerca de 18,1 horas, enquanto homens gastam, em média, 10,5 horas. Disso se segue que mulheres dedicam aos cuidados domésticos cerca de 73% mais horas que os homens, o que acaba por refletir em número significativamente maior de mulheres em trabalhos parciais, de até 30 horas semanais (28,2% contra 14,1%). Tais fatores, conjugados com outros, como a segregação ocupacional e a discriminação no mercado de trabalho, refletem em clara diferença salarial entre os gêneros, sendo que mulheres recebem cerca de ¾ do que recebem os homens.
O fato dos cuidados domésticos e com familiares não serem trabalhos remunerados e, consequentemente, sobre os quais não se recolhe contribuição para fins previdenciários, não é justificativa para se buscar a equiparação da idade de aposentadoria entre homens e mulheres. Antes o contrário: os cuidados domésticos e com familiares, que caracterizam a chamada dupla (ou mesmo tripla) jornada feminina, representam trabalhos de claro interesse social e coletivo – e, como tal, devem ser considerados. Como na maioria significativa dos casos tais afazeres domésticos são realizados por mulheres, tem-se como justa sua consideração para fins de diferenciação na aposentadoria. Até porque, em última análise, são trabalhos que igualmente beneficiam ao homem e à família como um todo. Logo, exigir maior tempo de contribuição ou de idade para os homens corresponde a uma forma de equilibrar as disparidades laborais existentes.
A expectativa de vida, que é maior no caso das mulheres (79,6 anos contra 72,5 anos, conforme dados de 2017), tampouco pode ser levada em consideração para fins de equiparação. Considerando nosso contexto sociocultural, percebe-se que, mesmo após a aposentadoria, muitas mulheres prosseguem cuidando da casa e da família, sendo comuns os casos nos quais as avós se responsabilizam pelos netos. Sendo assim, a aposentadoria de fato das mulheres é, muitas vezes, ilusória. Nada mais justo, portanto, que a manutenção da diferença de idade entre homens e mulheres para fins de aposentadoria.
*Pablo Antonio Lago, doutor em Direito pela USP. É professor na Escola de Direito da Universidade Positivo.
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