Muitas pessoas se indignaram com a decisão do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM/AP), de não instalar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lava Toga. O requerimento recebeu 29 assinaturas de senadores, com o objetivo de constituir uma CPI para investigar condutas ímprobas, desvios operacionais e violações éticas por parte dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Tribunais Superiores.
Então, vamos aos fatos. Primeiramente vamos relembrar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento extremamente relevante para o Poder Legislativo realizar uma atividade atípica de investigação com parlamentares designados à essa função. É um dos raros momentos em que o Poder Legislativo se apropria de uma função típica das autoridades judiciais, com o objetivo de produzir um relatório final, que será encaminhado ao Ministério Público para uma possível responsabilização, seja civil ou criminal dos investigados.
É da natureza das CPI’s ser um canal de investigação, fora das esferas naturais de atuação das autoridades judiciais, com objetivo de investigar fato determinado, por prazo certo. Por esse motivo, enunciado no texto constitucional, que CPIs não podem ser eternas, e tão pouco tratar sobre temas indeterminados, como o sexo dos anjos.
Cabe a uma comissão parlamentar de inquérito ser meio capaz de auxiliar as autoridades judiciais, com informações, depoimentos e documentos que não poderiam ser alcançados sem a capacidade política que só o Poder Legislativo tem. Percebam que as CPIs são absolutamente legítimas na sua atuação, merecem respeito nas suas práticas, mas não devem ser utilizadas simplesmente para o bem-estar dos parlamentares junto à opinião pública.
O ponto fundamental de uma CPI é produzir seu relatório final com substância, para os encaminhamentos do Ministério Público. Dessa forma, uma CPI não serve para agradar eleitores, “acenar para a torcida”, ser palanque para processos eleitorais futuros e tampouco ser palco para teorias da conspiração de parlamentares histéricos.
A decisão tomada pelo presidente do Senado Federal, fundamentada em dois pareceres jurídicos do corpo técnico da Casa, foi pelo encaminhamento da proposição à Comissão de Constituição e Justiça, para definição de parecer sobre sua constitucionalidade, caminho típico de um requerimento de CPI que será negado. Nessa tomada de decisão, o presidente do Senado deixa claro que a CPI da Lava Toga não tem determinação de fato específico, simplesmente por ser um acontecimento indeterminado e inconsistente para as investigações de um trabalho relativamente sério de uma comissão parlamentar de inquérito.
Além disso, tal CPI é um caminho de mão única para uma crise institucional entre Legislativo e Judiciário, situação que o Davi Alcolumbre não quer ser o fiador. Já imaginou uma sessão da Comissão solicitando a manifestação de ministros do Supremo Tribunal Federal, sobre decisões tomadas pelos mesmos no exercício legítimo de suas funções? Ou senadores indagando membros dos Tribunais Superiores sobre possíveis condutas ímprobas, sem ter fatos que justifiquem os questionamentos? Se isso não é uma evidente crise entre poderes, seria no mínimo curioso para a crônica política.
O próprio nome dado para a CPI é sugestivo, se não afrontoso, pois faz uma relação direta da Operação Lava-Jato com possíveis irregularidades nos Tribunais Superiores. Dando uma conotação clara de que as possíveis irregularidades não serão investigadas, mas simplesmente enunciadas e apontadas pela CPI. Não sei vocês, mas eu posso ouvir as trombetas do apocalipse sendo tocadas na Praça dos Três Poderes à plenos pulmões.
Não sou contra as atividades do Poder Legislativo, e acho justo que os parlamentares possam exercer suas funções livremente, entretanto, não podemos nos valer de um dispositivo constitucional para colocar em xeque as instituições, meramente motivados por um “espírito cívico” de que tudo e todas estão corroídos pela ferrugem. Não digo que o Poder Judiciário não tem problemas que mereçam a atenção do Poder Legislativo, mas devemos ser um pouco mais criteriosos com a utilização das CPIs, principalmente quando elas pretendem ser palco para uma lavação de roupa suja entre os Poderes.
*Francis Augusto Goes Ricken, advogado e mestre em Ciência Política. É professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.