Foi paixรฃo ร primeira vista! Era a coisa peluda mais fofa que eu jรก tinha visto. Nรฃo resisti, peguei no colo e nรฃo conseguia deixar de abraรงar. Ele era cativante. Atรฉ mesmo o cheirinho de filhote sem banho, que eu sempre detestei, era irrelevante. Era discretamente arteiro: comeu meu chinelo na minha frente sem que eu percebesse. Ficava magoado quando brigรกvamos com ele, sendo que na primeira bronca, se escondeu debaixo da pia e tive que resgatรก-lo com voz amorosa, enquanto ele suspirava magoado e me olhava de rabo de olho. Quando comeรงamos a colocar junto com o pastor alemรฃo de um ano, rosnava irritado com as lambidas desastradas do filhotรฃo brincalhรฃo. Impรดs respeito ao pastor, mesmo com os dentinhos de leite.
Era a criatura mais amorosa que jรก vi na minha vida! Destruiu minhas barreiras de toque a cรฃes, pois exigia meu carinho diariamente. Passar o pรฉ nรฃo bastava! Um cafunรฉ na cabeรงa era muito pouco, batia a cabeรงa enorme em minha perna pedindo mais! Queria carinhos mais consistentes, de preferรชncia abraรงos. E eu o abraรงava!
Com minha filha era amoroso e paciente. Ela o fazia de gato e sapato, e ele mal se mexia. Nos passeios pela vizinhanรงa, impunha medo: as pessoas atravessavam a rua ao vรช-lo. Mal sabiam que qualquer pessoa que se aproximasse do portรฃo era recebida com lambidas e sรณ entrava depois de fazer carinhos nele!
Mas nรฃo era muito ativo: nรฃo pulava, nem punha as patas da frente em superfรญcie mais alta, em posiรงรฃo โem pรฉโ. Com 1 ano e 2 meses, percebi que comeรงou a mancar. Achamos que o pastor o tivesse machucado nas brincadeiras e o deixamos separados por algum tempo. Foi uma tristeza sem tamanho para ambos: cada vez que se encontravam, se lambiam e se aproximavam de forma amorosa.
Ao investigarmos, descobrimos uma infecรงรฃo na pata traseira direita. O tratamento? Amputaรงรฃo. Gelei e tremi. Primeiro ao imaginรก-lo sem uma perna. Logo em seguida, ao lembrar que a opรงรฃo de meu marido nรฃo seria por amputar e sim sacrificar. O veterinรกrio disse que vivem muito bem com apenas 3 pernas, mas o argumento de meu marido fazia sentido: este nรฃo รฉ um cรฃo de natureza โdecorativaโ, รฉ um cรฃo de trabalho. Fazรช-lo viver com apenas 3 pernas seria negar seus instintos.
Fizemos todos os exames possรญveis e o tratamento recomendado. Ele nรฃo reagiu e em 2 meses emagreceu quase 10 quilos. Era tanta dor, que ele passava o dia levantando-se de um lugar para deitar-se no outro. O diagnรณstico final foi doloroso: somente a amputaรงรฃo resolveria, mas a sobrevida era de 6 meses a 1 ano. Meu marido era taxativo: sua missรฃo era nรฃo deixar que o cachorro sofresse, e achava a recuperaรงรฃo da amputaรงรฃo muito dolorosa.
Na data marcada, ele o levou ao veterinรกrio, que tentou demovรช-lo a qualquer custo. Mas estava decidido e foi atรฉ o fim. Eu estava em viagem a trabalho, quando retornei para casa achei a coleira dele em um armรกrio:desabei. Aos poucos me recuperei, atรฉ receber por whatsapp o certificado de cremaรงรฃo.
Arrumamos um cรฃo de outra raรงa para fazer companhia ao pastor, mas a conexรฃo nunca serรก a mesma. Rocky cumpriu muito bem sua funรงรฃo no mundo: tirou meu pavor de cachorro grande e me mostrou que nรฃo รฉ a raรงa que define a personalidade, e sim a maneira como o criamos.
Faz 3 meses que ele se foi, mas atรฉ hoje nรฃo consigo olhar para outro rottweiler sem me entristecer. Provavelmente nunca conseguirei. Adultos e ativos, entรฃo? Sรณ consigo imaginar o que ele nunca serรก! Por isso, rottweiler nem pensar!
*Leide Albergoni รฉ professora da Universidade Positivo.