O Brasil começou a participar do movimento mundial Outubro Rosa, dedicado à conscientização do câncer de mama, há mais de 15 anos. Avanços no conhecimento sobre a doença e tratamentos disponíveis são perceptíveis, mas o desconhecimento sobre os fatores de risco ainda é uma realidade entre a população, que também ignora medidas importantes para a detecção precoce do tumor. Além de prejudicar o combate à enfermidade, a falta de informação também alimenta o preconceito em relação às pacientes, especialmente no caso dos quadros metastáticos.
Essas são algumas das conclusões da pesquisa Câncer de mama hoje: como o Brasil enxerga a paciente e sua doença?, aplicada pelo IBOPE Inteligência a mais de 2 mil brasileiros, por plataforma on-line, em diferentes regiões metropolitanas do País: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Curitiba. Em São Paulo, a amostra de entrevistados foi colhida na capital. A iniciativa, realizada pela Pfizer, aponta um contexto permeado por mitos e desinformação, o que reforça a importância de ações que promovam formas criativas e mais efetivas de dialogar sobre o assunto com a sociedade, contribuindo para que a informação chegue e seja realmente assimilada.
“O segundo ano do projeto Coletivo Pink, que nesta edição posiciona a arte como importante ferramenta para se aproximar do público e sensibilizar para o tema, é um exemplo dos esforços na busca por alternativas que ajudem a promover a educação em saúde, especialmente quando estamos diante de uma temática tão importante”, afirma a diretora médica da Pfizer, Márjori Dulcine. Afinal, o câncer de mama é o tumor mais frequente entre as brasileiras, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Informações desencontradas sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama se destacam no levantamento. Quase 80% da amostra está convencida, por exemplo, de que o autoexame das mamas, ou seja, o toque feito pela própria mulher, constitui a principal medida para a identificação da doença em seus estágios iniciais. Na verdade, quando o tumor é palpável, muitas vezes já se encontra em estágios avançados.
“Tocar as próprias mamas é uma prática importante para conhecimento corporal. Mas, nos últimos anos, muitas sociedades médicas deixaram de recomendar o autoexame como método preventivo, uma vez que, ao não detectar alterações durante essa prática, a mulher pode acabar se afastando do médico e atrasando a realização da mamografia, que é um exame essencial”, destaca Márjori. “A mamografia pode detectar alterações muito pequenas e ainda não palpáveis, que muitas vezes medem milímetros, aumentando as chances de sucesso no tratamento”, completa.
Outros dados da pesquisa reforçam a percepção de que as entrevistadas desconhecem as recomendações oficiais para a realização da mamografia. Quase um terço das participantes acredita que, se o exame de mamografia não detectar alterações na mama, a paciente poderá ficar liberada para fazer a prevenção apenas por meio do autoexame, em casa. Esse dado chega a 35% entre as participantes com 55 anos ou mais de idade, que representam justamente a população mais suscetível à doença.
Ainda em relação à mamografia, um quarto das mulheres ouvidas pelo levantamento estão convencidas de que esse exame só é necessário quando outros procedimentos realizados previamente, como o ultrassom, apontarem alterações. O Ministério da Saúde recomenda, contudo, que todas as mulheres entre 50 e 75 anos se submetam ao exame de mamografia a cada dois anos1. Já a maioria das sociedades médicas do País indica que o procedimento seja realizado anualmente, a partir dos 40 anos2.
Causas e fatores de risco
O câncer de mama é uma doença multifatorial, de modo que muitos elementos contribuem para o aumento do risco. A herança genética é um desses aspectos, mas só está presente em 5% a 10% dos tumores mamários3. Na opinião de 71% dos entrevistados, contudo, a herança genética seria a principal causa da doença. Esse número sobe para 76% no Rio de Janeiro. Por outro lado, fatores de maior impacto para o desenvolvimento do tumor, como os hábitos de vida, são menos citados: 24% das pessoas mencionam esse item, que aparece em terceiro lugar entre as causas apontadas.
Outros entrevistados relacionam o aparecimento da doença à conduta da própria mulher: 33% dos participantes afirmam que o câncer se manifestou porque a paciente não teria feito todos os exames preventivos necessários. “Vale lembrar, porém, que existem alguns tipos de câncer muito agressivos, que podem se desenvolver entre uma mamografia e outra, em poucos meses. Transferir a culpa para a mulher só alimenta o preconceito e dificulta o enfrentamento do problema”, comenta Márjori. Sob outra ótica, 10% dos entrevistados mais velhos, com 55 anos ou mais de idade, acreditam que o câncer se manifestou porque esse era o “destino da pessoa e estava nos planos de Deus”. Essa visão é compartilhada por 10% dos participantes de Belo Horizonte e também se destaca entre os entrevistados do Recife, como indica a tabela abaixo:
O desconhecimento dos entrevistados sobre a relação que existe entre o consumo de álcool, mesmo em baixas doses, e um risco aumentado para o câncer de mama também chama a atenção. Apenas 10% das mulheres e 8% dos homens reconhecem essa associação como verdadeira. Por outro lado, a literatura médica aponta que o consumo frequente da bebida, mesmo em pequenas quantidades, aumenta a probabilidade de desenvolver o tumor. Segundo o INCA, isso ocorre porque o álcool pode alterar os níveis de estrogênio, hormônio que está relacionado a uma porcentagem elevada de tumores mamários.
Além de ignorar o impacto do álcool para o desenvolvimento da doença, os brasileiros ouvidos pela pesquisa também subestimam a interferência do excesso de peso, principalmente após a menopausa, nesse processo: 39% dos entrevistados não sabem dizer se esse aspecto interfere no risco de desenvolver câncer de mama e 24% acreditam que essa relação não é verdadeira. Já a prática de exercícios físicos é reconhecida como medida de prevenção contra a doença pela maioria dos participantes (ou 58% da amostra). E essa taxa chega a 64% no Recife.
Mulher moderna e câncer de mama
Assim como o estilo de vida, alguns aspectos reprodutivos, típicos da mulher moderna, também se apresentam como elementos que ajudam a compor o painel de fatores de risco do câncer de mama. “O número de filhos é cada vez menor e as gestações têm ocorrido mais tarde. Ou, ainda, muitas mulheres optam por não ter filhos. Essas situações expõem mais o organismo feminino ao estrógeno, um hormônio frequentemente relacionado aos tumores de mama“, afirma Márjori.
De fato, a maioria dos entrevistados ignora que não ter filhos ou passar pela primeira menstruação muito jovem, antes dos 12 anos de idade, aumentam as probabilidades de desenvolver o tumor. Já a amamentação, ao contrário, emerge como um fator protetor para a mulher, uma vez que reduz a exposição dela a determinados hormônios e ajuda a remover células mamárias que podem apresentar danos no DNA. Assim, quanto maior o tempo de aleitamento, maior o benefício5. Mas a maioria dos entrevistados (54%) ou tem dúvidas sobre o papel protetor da amamentação ou acredita que esse benefício não é real.
Outros mitos
Os dados da pesquisa também apontam que outros mitos antigos associados ao câncer de mama ainda persistem no imaginário popular. Apenas 38% dos entrevistados estão certos, por exemplo, de que esquentar alimentos no
micro-ondas não aumenta o risco de ter a doença. Além disso, 39% dos participantes não sabem dizer se é verdadeira a hipótese de que usar sutiãs com bojo, ou estruturados, poderia deixar a mulher mais suscetível ao tumor.
Metástase e estigma
Mais de 40% da amostra está convencida de que um câncer de mama se torna metastático porque a mulher teria demorado muito tempo para fazer os exames preventivos, uma percepção que reforça o estigma e o sentimento de culpa em relação aos tumores avançados. Na contramão desse pensamento, a literatura médica aponta que 30% dos tumores mamários vão progredir para metástase, mesmo quando identificados precocemente6.
“Ter metástase não significa, necessariamente, que a paciente se descuidou da saúde”, reforça Márjori. “Mesmo quando descobertos em fase inicial, alguns tumores são bastante agressivos e podem evoluir muito rapidamente. Alguns são chamados de tumores de intervalo pois, muitas vezes, progridem de forma bastante considerável em poucos meses, no período entre a mamografia que a mulher já fez e a data do próximo exame”, explica.
Os dados também expressam uma visão equivocada da sociedade sobre a paciente metastática. Metade dos entrevistados não está convencida de que essas mulheres poderiam trabalhar, por exemplo. Não por acaso, 10% das pessoas ouvidas afirmam que não contratariam uma mulher com câncer de mama porque acreditam que ela poderia ter várias necessidades que comprometeriam o trabalho. Além disso, 17% da amostra acredita que essa mulher deveria estar 100% focada no tratamento e que o momento não seria o ideal para buscar emprego – esse porcentual sobe para 24% entre os entrevistados com 55 anos ou mais.
Ainda em relação à imagem que a sociedade tem da paciente metastática, os dados mostram que a visão de uma mulher frágil e abatida é recorrente. Cerca de 30% dos participantes acreditam que essas pacientes estão muito debilitadas para fazer exercícios físicos, por exemplo, e 31% têm dúvidas a esse respeito. Quase 60% dos entrevistados também não estão convencidos de que as pacientes poderiam ter uma vida sexual ativa, conforme a tabela abaixo:
Por outro lado, quando convidados a pensar sobre as atuais possibilidades de tratamento para o câncer de mama metastático, os entrevistados evidenciam um tom de otimismo. Mais de um terço dos participantes, ou 33% da amostra, acredita que a oncologia está avançando e que, hoje, já existem mulheres vivendo há muitos anos com a doença. Essa foi a principal resposta escolhida pelos brasileiros para a questão que avaliou a percepção que eles tinham sobre o tratamento. “De fato, se antigamente estávamos diante de um cenário sem alternativas, hoje a realidade é outra. Essas mulheres têm tido, com o avanço da oncologia, a oportunidade de viver mais e melhor”, conclui Márjori.
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Parâmetros para o rastreamento do câncer de mama: recomendações para gestores estaduais e municipais. / Instituto Nacional de Câncer. – Rio de Janeiro: INCA, 2009. 13 p.
2. Urban LABD, Chala LF, Bauab SP, Schaefer MB, Santos RP, Maranhão NMA, Kefalas AL, Kalaf JM, Ferreira CAP, Canella EO, Peixoto JE, Amorim HLE, Camargo Junior HSA. Recomendações do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento do câncer de mama. Radiol Bras. 2017 Jul/ Ago;50(4):244–249.
3. Apostolou P, Fostira F. Hereditary breast cancer: the era of new susceptibility genes. Biomed Res Int. 2013;2013:747318.
4. Harbeck N, Gnant M. Breast cancer. Lancet. 2017 Mar 18;389(10074):1134-1150. doi: 10.1016/S0140-6736(16)31891-8. Epub 2016 Nov 17.
5. Oeffinger KC, Fontham ET, Etzioni R, Herzig A, Michaelson JS, Shih YC, Walter LC, Church TR, Flowers CR, LaMonte SJ, Wolf AM, DeSantis C, Lortet-Tieulent J, Andrews K, Manassaram-Baptiste D, Saslow D, Smith RA, Brawley OW, Wender R; American Cancer Society. Breast Cancer Screening for Women at Average Risk: 2015
Guideline Update From the American Cancer Society. JAMA. 2015 Oct 20;314(15):1599-614.
6. Cristofanilli M, Turner NC, Bondarenko I, et al. Fulvestrant plus palbociclib versus fulvestrant plus placebo for treatment of hormone-receptor-positive, HER2-negative metastatic breast cancer that progressed on previous endocrine therapy (PALOMA-3): final analysis of the multicentre, double blind, phase 3 randomised controlled trial. Lancet Oncol. 2016;17(4):425-439.
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