“Histórias mínimas” é um conjunto intrincado e ousado de narrativas sobre o caos, o negacionismo e a intolerância.
A arte existe porque a vida só não basta, dizia Ferreira Gullar. Em seu segundo livro de contos, Histórias Mínimas (Kafka Edições, 74 páginas), o escritor e jornalista Jonatan Silva escrutina o abismo que separa vida e arte. Os contos que dão forma ao livro são narrativas breves, ora brevíssimas, cuja densidade e complexidade são como um espelho rachado ou uma ampulheta partida.
Histórias mínimas é uma ode ao absurdo do cotidiano, às vicissitudes do dia a dia e aos pecadilhos que consomem tudo e todos. “Alfinetes”, o conto que abre o volume, é uma narrativa sobre a loucura e a obsessão, sobre a ideia estar preso em lugar que não é o seu. “A Flor”, texto com forte influência de Samuel Beckett e Manuel Bandeira, é uma tentativa de escape, um grito de socorro diante dos escombros que teima em soterrar as pequenas esperanças.
Em “Neve”, uma bela homenagem ao escritor suíço Robert Walser, Silva constrói um ambiente kafkiano, opressivo e devastador, ao mesmo tempo em que propõe uma reflexão sobre as contradições e conversões que dão corpo à sociedade. Durante todo o livro, o escritor cria um universo bastante particular e que oscila entre luz e sombra. “Piano de calda”, um miniconto a la Dalton Trevisan, é o arremate perfeito para a obra, deixando um ar de estranheza e beleza.
Jogando com a linguagem e explorando campos subjetivos dos próprios textos, Silva ergue uma literatura imagética, quase fotográfica – como uma colcha de retalhos de memórias e futuros possíveis. “A minha literatura”, explica o autor, “é um chamado ao entendimento. Por meio do insólito, e daquilo que parece estranho, é possível notar que existe escondida uma beleza muito peculiar.”
Contato
Prova desse poderio narrativo, o conto “O Silêncio do senhor Tanner” exibe uma descrição certeira dos conflitos que reguem um casamento. Em “Inferno”, um dos textos mais longos do livro, uma simples viagem se transforma em um passeio bizarro. Existe, é verdade, uma conexão acidental com a escritora Mariana Enríquez. Acidental porque os livros se distanciam em tempo e espaço, entretanto, se complementam em pontos de contato pouco usuais. E esses pontos de contato são coincidência, mas também o fruto de um olhar sobre a diversidade da realidade.
No final das contas, o que se vê é que Histórias mínimas é um livro urgente, necessário e fundamental para entender esses tempos de negacionismo e revisionismo. Jonatan Silva se consolida como uma voz potente do conto paranaense, um autor que tem o dizer – diante do abismo.
Sobre o autor
Jonatan Silva é jornalista, crítico literário e escritor. Passou pelas redações da Tribuna do Paraná e Paraná Online. Foi editor da revista Mediação, do Colégio Medianeira. Na mesma instituição, idealizou, produziu e apresentou o podcast MedCast, que tratava de temas que iam da educação à cultura, passando por questões da atualidade e da filosofia.
Atualmente, escreve regularmente para os jornais Rascunho e Cândido, e também para o portal de cultura Escotilha. Colabora com a editora Rádio Londres e teve textos publicados na revista Flaubert e no jornal RelevO. É autor dos livros O Estado das coisas (2015) e Histórias mínimas (2019).
Serviço
Histórias Mínimas
Jonatan Silva
Kafka Edições – 74 páginas
R$ 25,00
jonatanrafaeldasilva@gmail.com