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Os desafios da cabotagem

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A correlação da cabotagem com o transporte de cargas data da Idade Antiga, quando os Fenícios, reconhecidos negociantes mesopotâmicos, estabeleceram entrepostos comerciais ao longo da costa mediterrânea e inovaram na navegação, desenvolvendo embarcações com maior capacidade de carga e independentes de condições de vento para o deslocamento em velocidade. Não à toa, dominaram o cenário econômico e ajudaram a moldar o posicionamento de importantes cidades mundiais.

Paralelamente, ao avaliarmos a história da América do Norte, até o século XIX, dada a importância da movimentação aquaviária e ferroviária de cargas, o desenvolvimento de infraestrutura rodoviária era restrito a fundos privados. Em 1956, quando pela primeira vez navios tanque são modificados para transportar contêineres, a modalidade do transporte marítimo ganha novo fôlego, impulsionada pelo sistema de comércio que passamos a denotar “globalização”. As primeiras embarcações de transporte de contêineres eram limitadas a 58 unidades padrão (TEU, Twenty Equivalent Unit), ao passo que, atualmente, navios cargueiros podem carregar dezenas de milhares.

Em contrapartida, no Brasil, a partir de uma série de políticas públicas e estratégias de estímulo econômico, optamos pelo desenvolvimento da modalidade rodoviária, tida então como tecnologia moderna e flexível de mobilidade. Há entendimento, agora, da inadequação deste sistema de transporte para longas distâncias: a modalidade hidroviária tem um custo de frete da ordem de 3 vezes menor que o transporte rodoviário. É, também, altamente econômico em relação ao consumo de combustível: a ANTAQ estima que o modal rodoviário consome um total de 96 litros de combustível por TKU (tonelada-quilômetro útil) enquanto o modal hidroviário consome 5 litros para o mesmo transporte – assim, é menos poluente, com emissões de gás carbônico da ordem de 80% menores e emissões de monóxido de carbono da ordem de 94% menores que as do transporte rodoviário.

Entretanto, as modalidades hidroviárias são mais impactadas por suas limitações físicas que seus modais concorrentes, aéreos ou terrestres, já que dependem de condições naturais (que podem ser adaptadas, mas não totalmente implantadas). Carecem, ainda, de infraestruturas portuárias compatíveis e caminhos de acesso que viabilizem sua utilização. Dentre a movimentação de cargas nos portos nacionais (que por si só já amarguram péssimos indicadores de transporte, frente a portos de países com desenvolvimento econômico equivalente e até menores que o nosso), os percentuais relativos à movimentação de cabotagem totalizam menos que 20% do total de contêineres e menos que 15% da tonelagem de carga.

A despeito da demanda urgente de diversificação das modalidades de transporte empregadas, estimular o transporte de cabotagem não pode ser medida única de desenvolvimento da infraestrutura de transporte de cargas. Pela restrição de circulação ao longo da costa, esse tipo de medida pode acabar desestabilizando as relações comerciais do interior do país, já que, indiretamente, favorece regiões historicamente privilegiadas. Não é à toa que a maioria das capitais – dos estados com frente litorânea – localizam-se próximas à costa. É essencial que programas de desenvolvimento de outras modalidades – tais como a ferroviária, por exemplo, também sinalizada como prioritária ao atual governo – sejam levados à frente, para garantir serviços de atendimento logístico a regiões com baixos IDHs e estimular a cadeia produtiva destas regiões.

A discussão acerca das demandas de transporte é sempre complexa – justamente pela dificuldade de equacionar as necessidades de manutenção de um sistema caro, sobrecarregado e inadequado a viagens de longa distância – mas, ao mesmo tempo, consolidado na cultura nacional – e a implantação de sistemas concorrentes, que gerarão custo, remanejamento de estratégias logísticas, mas que também podem vir a liberar cadeias produtivas reprimidas. Medidas de desenvolvimento de sistemas como a cabotagem são coerentes com a busca por uma saída deste paradoxo e sustentabilidade à economia nacional.

 

*Patrícia Schipitoski Monteiro, engenheira Civil e professora de Infraestrutura de Transportes do curso de Engenharia Civil da Universidade Positivo.

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