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É possível a configuração de doença ocupacional pelo contágio do empregado com a COVID-19?

Que a propagação da COVID-19, popularmente conhecido como coronavírus, já atingiu níveis de pandemia em escala global, todos nós já sabemos. Também é de conhecimento público que o vírus começou sua propagação através de circunstâncias praticamente alheias à intenção dos primeiros infectados, sendo sua rápida e expansiva disseminação fruto do elevado índice de contágio da COVID-19, algo até então sem precedentes em tempos modernos.

Considerando isso, e sendo possível afirmar que a infecção de um indivíduo pelo coronavírus decorre de um fenômeno natural (doenças infectocontagiantes existem desde os princípios da vida em nosso planeta), seria possível, sob um ponto de vista jurídico-trabalhista, considerar que um empregado contaminado pelo COVID-19 adquiriu doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho?

A questão é polêmica, e como não poderia ser diferente nesta análise, a resposta mais adequada é: depende.

Primeiramente, precisamos identificar se atividade desempenhada pelo empregado não enseja a responsabilidade civil objetiva de seu empregador, nos termos do art. 927, Parágrafo Único, do Código Civil. Serão consideradas como de reparação objetiva, em síntese apertada, as atividades profissionais que causem risco ao empregado, sendo que o causador do dano deve responder objetivamente pelo prejuízo causado, ainda que o empregador não crie o risco. Aqui, a atividade por si só gera esse risco ao empregado, responsabilizando o empregador independentemente de comprovação da culpa.

O clássico exemplo da doutrina é o do empregado que trabalha em uma fábrica de explosivos. Ainda que o empregador tome todas as cautelas necessárias para evitar que acidentes ocorram, inegável que ao explorar tal atividade econômica, o empresário coloca seus empregados em uma condição de risco iminente de explosões.

Adentrando, finalmente, no nosso tema, quais atividades poderiam ser consideradas como de responsabilidade objetiva a ponto do empregador ser responsabilizado caso seu empregado seja contaminado com o COVID-19 durante o trabalho?

Um caso típico seria do profissional da saúde que, atuando em um hospital, contrai de um paciente o vírus. Aqui, considerando a teoria do risco, pode ser alegado que o contágio pelo COVID-19 desse empregado tornará o empregador responsável objetivamente por eventuais danos causados.

Por outro lado, mesmo considerando a responsabilidade objetiva, não sabemos como a jurisprudência irá encarar a situação específica do novo coronavírus, vez que a pandemia em questão pode ser considerada como ato de força maior, decorrente de fenômeno natural, o que obsta a responsabilização do empregador por danos causados mesmo em tal modalidade. Vale frisar que o COVID-19, pelo seu alto índice de contágio, poderá ser interpretado de inúmeras formas pela jurisprudência.

A discussão também pode se encaminhar pela impossibilidade de determinar a origem do contágio. Um empregador que toma todas as medidas de segurança no ambiente de trabalho pode muito bem justificar que a contaminação de seu empregado não se deu no trabalho, mas fora dele, como em mercados, transporte público etc.

Prosseguindo, é possível também a responsabilização do empregador na modalidade subjetiva, quando por uma ação ou omissão sua, dolosa ou culposa, expõe o empregado a risco, causando-lhe danos.

Aqui estamos tratando daqueles casos em que não se discute a responsabilidade civil objetiva, mas sim se o empregador teve “culpa” no contágio de seu empregado.

Um ótimo exemplo seria o do empregador que não mantém higienizado o local de trabalho, ou que sem fornecer EPI’s aos empregados. Aqui, comprovada a omissão do empregador, é possível que se discuta a responsabilização subjetiva pela contaminação, mas ressalvando novamente a dificuldade de se localizar a origem do contágio, que pode ter ocorrido fora do ambiente de trabalho.

Logo, para configuração do nexo causal entre a contaminação pelo COVID-19 e o trabalho desempenhado, na modalidade subjetiva, será necessário analisar a conduta do empregador, verificando se ele contribuiu de alguma forma com a infeção de seu empregado.

A jurisprudência que temos à disposição para nos nortear é do início dos anos 2010, época do surto do H1N1, em que empregados acionaram o judiciário para conseguir reparações pelo contágio com o referido vírus.

Pela inexistência de nexo por falta de culpa do empregador, assim se pronunciou o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região:

 

28123913 – ACIDENTE DO TRABALHO. ALEGAÇÃO DE DOENÇA CONTRAÍDA NO TRABALHO. INFECÇÃO PELO VÍRUS H1N1. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS. NEXO CAUSAL NÃO EVIDENCIADO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Não se cuidando de hipótese de responsabilização objetiva do empregador (art. 927, parágrafo único, do ccb), a reparação dos danos alegados pressupõe o concurso dos seguintes requisitos: ação ou omissão dolosa ou culposa do empregador, resultado lesivo e nexo de causalidade entre a ação-omissão e o resultado alcançado. Inexistindo prova do nexo causal entre as atividades desempenhadas e a gripe h1n1 que acometeu o reclamante, segue-se indevida a reparação pretendida. Ademais, não havendo comprovação da perda ou da redução da capacidade laboral, nem mesmo há que se falar em acidente do trabalho ou em doença a ele equiparada (art. 20, § 1º, aliena c, da Lei n. º 8.213/91). Recurso conhecido e desprovido. (TRT 10ª R.; RO 0000650-93.2012.5.10.0011; Terceira Turma; Rel. Des. Douglas Alencar Rodrigues; Julg. 02/10/2013; DEJTDF 11/10/2013; Pág. 204)

 

Por outro lado, reconhecendo o nexo, o TRT da 4ª Região assim julgou:

22560142 – ACIDENTE DO TRABALHO. GRIPE. INFLUENZA A H1N1. LINHAGEM SUÍNA. FALECIMENTO DE EMPREGADA ASCENSORISTA. O contágio da de cujus com o vírus influenza a h1n1 se deu em decorrência do exercício do trabalho a serviço da reclamada, responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, sendo que pela ausência de cuidados em evitar a referida contaminação, ocasionou a morte da ascensorista, mãe dos reclamantes. Direito ao recebimento de pensão mensal e indenização por danos morais limitado. Recurso interposto pela reclamada a que se dá provimento parcial no item. (TRT 4ª R.; RO 0000018-46.2010.5.04.0030; Nona Turma; Rel. Des. João Alfredo Borges Antunes de Miranda; Julg. 10/08/2011; DEJTRS 24/10/2011; Pág. 116)

 

Logo, inegável que no futuro muito se discutirá a respeito disso, sendo plenamente possível imaginarmos que o mesmo raciocínio utilizado na época do H1N1 será aplicado para com o COVID-19.

O Poder Executivo tentou regulamentar a questão logo no início da pandemia no Brasil através da Medida Provisória nº 936, indicando que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”, conforme inscrito no art. 29 da MP.

A dicção, tratando da possibilidade de configuração de doença ocupacional apenas com comprovação de nexo causal, amolda-se à modalidade subjetiva de responsabilidade, de modo que a intenção do Poder Executivo era de que a responsabilização do empregador se desse somente nessa hipótese.

Todavia, e logo após a publicação da Medida Provisória nº 936, o STF afastou a aplicação e eficácia do referido artigo após análise das diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas contra a medida.

Com isso temos que a responsabilidade do empregador em casos de contaminação não se daria mais, exclusivamente, pela via subjetiva, podendo também se configurar objetivamente em cada caso concreto.

Considerando cenário de tamanha insegurança (sanitária, jurídica e social), sugere-se, como medidas simples e à disposição de todos, a colocação de dispensers de álcool gel à disposição dos empregados, cartazes nas dependências da empresa, treinamentos online com confirmação de participação dos colaboradores, evitar aglomerações de qualquer tipo, inclusive reuniões presenciais,  higienização constante dos ambientes de convívio, cumprimentos físicos entre colegas e, sempre que possível, manutenção de portas e janelas abertas, tanto para facilitar a circulação do ar quanto  para evitar contato com maçanetas.

As sugestões são meramente exemplificativas, e outras cautelas são muito bem-vindas. Para o empregador, fica o alerta sobre a importância de se tomar todas as medidas possíveis para evitar que seus empregados passem por riscos desnecessários, pois bom senso e cautela em tempos como estes nunca são demais

Autor: Breno Aurélio Bezerra Nascimento é advogado trabalhista do escritório Marins Bertoldi.

<lorena@pg1com.com>

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