José Pio Martins*
A recessão econômica que iniciada neste primeiro semestre de 2020 será uma das mais graves dos últimos tempos. Primeiro, porque a queda do produto interno deste ano será brutal, em torno de 5% em relação a 2019. Em todos os países que foram afetados e tiveram que fazer isolamento social, o produto também caiu e seguirá caindo em relação aos anos anteriores. A redução do produto de um país exacerba vários flagelos sociais graves: aumenta o desemprego, reduz os salários médios, fecha fábricas, quebra lojas comerciais, gera perda de renda dos autônomos, aumenta a pobreza e a miséria, fomenta doenças psicológicas e perturbação social.
Ninguém sabe bem como será a reorganização da economia e a retomada da produção, da renda e do emprego. Porém, é certo que a recuperação não se dará na mesma velocidade da retração imposta pela crise. Gosto de usar esta metáfora: imagine uma pista de ciclismo com subida íngreme. O tempo gasto pelo ciclista para ir do início ao fim (a subida) é muito menor que o tempo gasto para voltar (a descida). Na economia, também é assim. O produto interno bruto (conceito mais técnico para o produto da nação) leva bem mais tempo para crescer do que o tempo que leva para cair.
O Brasil está diante de um desafio imenso, representado pela tentativa de sair da devastação econômica o mais rápido possível, na qual três atores serão especialmente essenciais: trabalhadores, empresários e governantes. Todos têm sua importância, porém, o empreendedor terá um papel mais relevante. Roberto Campos, com sua ironia fina de sempre, dizia que entre os muitos “ários” que há por aí, o mais importante é o empresário.
Operário, dizia ele, todos podemos ser. Funcionário (público), todos queremos ser, pois o emprego é estável e a aposentadoria é generosa. Missionário, é fácil ser, pois a mercadoria (a salvação da alma) é entregue na outra vida. Empresário, esse é difícil ser, e sua missão é descobrir oportunidades, investir, gerar emprego, produto e renda, e pagar impostos. A disposição e a capacidade para abrir um negócio, fazer investimentos, disputar mercados, enfrentar a concorrência e correr riscos é o que faz do empreendedor um animal raro e rigorosamente necessário.
O Brasil criou certa cultura antiempresarial e antilucro, nociva ao desenvolvimento. O empreendedor é um instrumento da produção, e a ele cabe acumular capital (bens de produção), zelar por sua conservação e expansão. Ilude-se quem crê que o dono do capital é livre para fazer o que bem quiser. O empresário detém a propriedade condicionado a satisfazer o consumidor, e deve ajustar suas ações aos interesses do mercado, sob o risco de ser superado pela concorrência e ter de fechar seu negócio. Se for eficiente, o lucro é o prêmio. Se for ineficiente, o prejuízo é o castigo, geralmente terminado em falência.
Quando a pandemia acabar e a normalidade for restabelecida, grande parte do empresariado retomará as atividades com suas empresas debilitadas, queda nas vendas, prejuízos acumulados, dívidas não pagas e o fluxo de caixa abalado. Reconstruir os negócios, reorganizar e reequilibrar as finanças serão tarefas árduas. Muitas empresas retornarão menores, com menos empregados e atividade encolhida. Mas outras novas surgirão.
Para os profissionais autônomos (médico, dentista, psicólogo, fisioterapeuta, cabeleireiro, professor particular e outros que perderam toda ou parte de sua renda), o problema é o mesmo. Eles se assemelham aos empreendedores, têm custos empresariais como aluguel, material, salário de auxiliares, também precisam conquistar clientes e terão de extrair de si o melhor como empreendedores e gestores de sua atividade.
A decisão de empreender e não depender de um emprego assalariado não deve ser tomada apenas em função desta crise, mas em função da realidade global. O mundo está mudando e recessões têm se repetido. Em 2007-2008, o mundo foi ferido pela crise financeira. No período 2014-2016, o Brasil inventou sua própria recessão. Agora, é a recessão do coronavírus. E outras recessões virão, agravadas pelo fato de a revolução tecnológica estar engolindo empregos.
O cenário econômico pós-pandemia será caracterizado por elevado desemprego, subemprego, governos imprimindo dinheiro, trilhões em dívidas individuais e governamentais, programas sociais subfinanciados, aumento da mentalidade assistencialista, milhões de jovens sem trabalho e com dívidas estudantis, robôs tomando vagas de humanos e demorada recuperação. Procurar trabalho assalariado será o caminho da maioria das pessoas, e é uma luta nobre. O problema é que muitos não encontrarão.
Haverá espaço para trabalhar por conta própria como autônomo ou abrir um negócio. Empreender, porém, exige aprendizado. É preciso se preparar. Mesmo quem tenha espírito de iniciativa e tino para os negócios deve entender que o assalariado não se transmuta automaticamente em empreendedor. Embora o mundo vá continuar necessitando de empregados, mais empreendedores serão necessários, pois são eles que criam empresas e vagas de emprego, e a lei deve vir para estimular, não para inibir, o espírito de iniciativa. Esse é o desafio!
José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.