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Postura não cooperativa com China e Índia atrasa vacinação no Brasil / Por Michele Hastreiter

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Michele Hastreiter

O Brasil e a Índia estiveram juntos em momentos importantes em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) discutiu a proteção da propriedade intelectual de medicamentos. Em 2001, na IV Conferência Ministerial da OMC realizada no Catar, o Brasil e a Índia uniram-se e conseguiram a aprovação da Declaração de Doha, que estabeleceu que as obrigações de proteção de patentes de medicamentos não deveria impedir os países membros de tomarem medidas para proteção da saúde pública, o que viabilizou a produção de medicamentos genéricos. Em 2010, juntos, ingressaram com um procedimento no órgão de solução de controvérsias da instituição para processar a União Europeia, que reteve um carregamento de medicamentos importados da Índia para o Brasil.

Contudo, em meio a uma pandemia, a delegação indiana não pode contar com o tradicional apoio brasileiro na defesa dos interesses dos países emergentes quanto à saúde na OMC. Em outubro do ano passado, a Índia e a África do Sul apresentaram uma proposta para a suspensão das patentes de vacinas e medicamentos contra a Covid-19. Na ocasião, seguindo a postura atual do Itamaraty, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos para rechaçar a proposta.

A mudança de postura gerou uma resposta geopolítica contundente por parte dos indianos: a não priorização do Brasil na exportação de suas vacinas da AstraZeneca/Oxford contra a Covid-19. Apesar do Brasil ter preparado um avião buscar o imunizante no último dia 17, o país não estava na lista da primeira remessa de exportações indiana. Uma nova remessa é esperada para hoje, dia 22. A decisão indiana de liberá-la só aconteceu depois de uma nova reunião na OMC, em que o Brasil recuou. Ao invés de opor-se expressamente à iniciativa, como fez em outubro, ficou em silêncio enquanto Índia e África do Sul novamente tentavam vencer os países desenvolvidos no embate sobre a flexibilização da proteção da propriedade intelectual dos insumos.

As instâncias multilaterais – como a OMC – são vistas pelos países em desenvolvimento como foros adequados para uma postura cooperativa pois, unidos, eles podem ter um maior poder de barganha frente as grandes potências. A Teoria dos Jogos – muito usada na Economia e nas Relações Internacionais – ajuda a explicar esta premissa: se os países em desenvolvimento agirem de maneira auto interessada e forem subservientes às vontades das potências visando ganhos pontuais, terão resultados piores no longo prazo do que se agirem em conjunto, buscando benefícios mútuos. A estratégia brasileira, porém, é baseada na subjetividade dos sentimentos e não encontra justificativa racional nem no curto, nem no longo prazo.

Jair Bolsonaro nunca escondeu seu amor por Donald Trump – a escolha da palavra “amor” aqui ficou por conta do próprio presidente brasileiro que disse “I love you” quando encontrou Trump em 2019. O chanceler Ernesto Araújo parte de semelhante endeusamento -novamente, a palavra “endeusamento” vem de citação direta do ministro, que em artigo “científico” publicado na Revista “Cadernos de Política Exterior” em 2017 afirmou “Somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente (….) somente Trump pode ainda salvar o Ocidente”.

Ocorre que os Estados Unidos mudaram, nesta semana, de Presidente e a devoção do governo brasileiro à amizade com Trump custou um preço caro, pago em vidas brasileiras. Isto porque, além das doses prontas que vem da Índia, a outra esperança de vacinas vem da produção nacional na Fiocruz e no Instituto Butantan. Os dois institutos, no entanto, dependem de insumos que vem da China, país com o qual a administração de Bolsonaro também não nutriu boas relações, com pronunciamentos racistas e insinuações de que a China teria causado propositalmente a pandemia por parte de pessoas ligadas ao governo e a família do Presidente.

Se a diplomacia brasileira conseguirá reverter os estragos de sua postura dos últimos anos, só nos resta esperar (e torcer). Trata-se literalmente, de questão de vida ou morte. A doença tem matado cerca de 1.000 brasileiros por dia. É o preço pago por cada dia de atraso na chegada da vacina.

Michele Hastreiter é Professora de Direito Internacional Público e Privado no UNICURITIBA.

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