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Adolescência / Por Wanda Camargo

No início deste ano o vídeo de uma juíza de Vara Criminal e da Infância e da Juventude de uma cidade de Minas Gerais veio trazer mais alguma inquietação neste tempo de pandemia: ela se apresenta em um shopping, tomando sorvete com a máscara pendurada no pescoço; isso seria normal, afinal não há como se alimentar ou tomar sorvete de máscara. Mas o que chama, negativamente, a atenção é a atitude da juíza, carregada de ironia e até deboche como se o uso de um implemento necessário para diminuir riscos para todos fosse algo a ser ridicularizado. Embora muitas pessoas pelas mais variadas razões, de simbologia política até simples teimosia, não concordem com o uso de máscara, ela é considerada indispensável.

Para ser juiz é preciso ser aprovado em um dos concursos públicos mais árduos e disputados do país. Geralmente, quem supera esta maratona tem uma vida de estudo e dedicação, as amenidades da adolescência de classe média são deixadas de lado, ou em absoluto segundo plano. Claro que para os menos privilegiados é muito mais difícil, o que valoriza sobremaneira a conquista dos que a conseguem.

Estudo, disciplina, foco no objetivo, são qualidades e comportamentos positivos, e em muitos casos resultam em sucesso profissional ou acadêmico. Mas pode ter um preço alto para os adolescentes que os praticam, sem dar espaço para o indispensável desenvolvimento de habilidade sociais, empatia e até algum divertimento; e isto é essencial para o processo de amadurecimento, é nos jogos grupais que se estabelecem as regras e limites para o convívio social. Muitas vezes, após atingir o objetivo, a pessoa relaxa e passa a assumir um comportamento quase infantil que não teve no tempo correto. 

Parece ser este o caso, acompanhado de muitos outros, incluindo a jovem médica que recentemente postou chacota sobre seus pacientes entubados, como se estes existissem apenas para diversão de seus amigos; o exercício da Medicina e o patamar elevado na carreira jurídica devem parecer insignificantes para quem parece valorizar mais os aplausos adolescentes de seus “seguidores” de redes sociais. E vemos com espanto que isso se repete com muitos outros profissionais, que se submetem às regras de realitys shows, em busca de uma fama deletéria e passageira. A porcentagem minúscula de participantes desses espetáculos que conseguem “alavancar” carreiras artísticas deveria ser antídoto para a própria participação, mas não é o que ocorre, as pessoas se esfalfam na tentativa de serem vistas, de terem seus supostos talentos físicos ou artísticos reconhecidos. 

Nossa sociedade é do espetáculo, a própria ideia do sucesso decorrente de esforço, habilidade, estudo parece ter sido posta em segundo plano. Não importa o que se faça, realize ou até possua, se isso não for chancelado pela admiração pública, até mesmo o prazer de estar em um lugar interessante ou comer algo exótico deve ser submetido ao tribunal das “selfies”. O que rappers chamam de ostentação, que em outros tempos era considerado apenas de mau gosto e chamariz de ladrões.       

Orgulho de seus jovens e belos corpos, de seus itens de luxo como carros, joias e viagens, reverência a espertos, oportunistas ou declarados ladrões que conseguiram enriquecer numa sociedade permissiva e isenta de valores, hoje substituem a admiração por pessoas inteligentes e instruídas. Carecemos de cultura, e a educação de jovens exige uma profunda inserção cultural para que estes comportamentos possam ser combatidos.

Desde o início dos anos 2000, o debate sobre a formulação de políticas públicas de cultura, de valorização da diversidade e sabedoria é reforçado mundialmente pela necessidade de ampliação do acesso, pela  formulação de diretrizes destas políticas.

A cidadania plena e o direito ao conhecimento são pressupostos que garantem a pluralidade de pensamento e a compreensão sobre valores e a importância do ingresso em equipamentos, bens, serviços ou programas comunitários, mostrando que espaços e manifestações culturais transcendem – e muito – a vida nas redes sociais.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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