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Vergonha: um orgulho familiar

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Acedriana Vicente Vogel*

Ouso iniciar a reflexão sobre o sentimento de vergonha pela adaptação da célebre frase: diga-me do que tens vergonha, que eu te direi quem és! É fato que a geração ‘hipermoderna’ possui um desejo frenético de desafiar os limites. Como em seus games, vai “passando de fases”, uma após a outra, como se não existisse um fim. E, nesse afã, imprime à vida um ritmo refratário às regras de convivência social.

A família, nesse contexto, mais do que qualquer outra instituição social, é responsável pela fecundação de valores que serão, paulatinamente, associados à identidade de cada um dos seus membros. Para tanto, os adultos devem responder, de forma consciente, pelo plantio e pelo cultivo das relações, coerentes com os valores que acreditam. De que maneira? Construindo vínculos afetivos de confiança e respeito, fontes de admiração e referência.

Como? Bem simples. Por exemplo, quando um adulto, com um olhar irradiante, se põe de joelhos diante da criança que ensaia os primeiros passos e, por um movimento de encorajamento com as mãos, diz: “vem, pode vir”… faz a criança acreditar em si de forma confiante. Porque há alguém à sua frente com alta expectativa em relação aos seus avanços, pronto para ampará-lo nas suas vitórias e nos seus fracassos. Portanto, receber créditos, ser acreditado pelos adultos da família é o maior investimento na construção da identidade de uma vida humana. Nesse momento, pode vir à pergunta: mas, o que tudo isso tem a ver com o tema vergonha, proposto para esse artigo? E, ainda mais: tenho que sentir orgulho da vergonha que meus filhos sentem?

Se me faço humano no espaço social, o sentimento de vergonha é condição necessária para o agir moral. Agir, entendendo que há limites, porque há o outro na relação. O biólogo Darwin diagnosticou que “o enrubescer é a mais especial e a mais humana de todas as condições humanas”.  É o momento que eu me situo diante dos meus valores. Não há quem não queira se ver como um ‘ser de valor’, bem como ser visto dessa forma por aqueles por quem guarda admiração, confia e respeita. Por esse motivo, o sentimento de vergonha acaba por regular as relações interpessoais e intrapessoais relevantes para a nossa experiência com o mundo.

Para sentir vergonha, a pessoa deve comparar se a sua ação contraria ou não algum referencial próprio que constitui o seu arcabouço de valores, cuja família tem por princípio cultivar entre os seus integrantes, desde a mais tenra idade. Por exemplo, se não roubar, não mentir, não humilhar para mim são valores, logo sinto vergonha de roubar, de mentir, de humilhar.

Há um grito latente que convida à responsabilidade do cultivo à vergonha, para se inserir como membro de uma sociedade, ou melhor, como um parceiro cooperativo: cidadão! Aquele que não é indiferente, aquele que é capaz de se indignar com o “sem vergonha” e exigir “vergonha na cara”. Se a família, a escola e todas as outras instituições formativas investirem com intensidade no combate à indiferença, no movimento de indignação diante daquilo que não tem aderência com os valores que assumimos e com os quais nos identificamos, teremos uma sociedade mais justa, da qual tenhamos orgulho de fazer parte, pois a impunidade não se legitimará.

 

* Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica do Sistema Positivo de Ensino.

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