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Dificuldade de conversar

Por Wanda Camargo*

Ouvindo as queixas de adolescentes, e principalmente de mães, pais, responsáveis, que procuram vários tipos de ajuda para seus filhos nos serviços públicos de saúde, ou em escolas públicas e particulares, é visível que um dos mais graves problemas atuais é uma incapacidade para a conversa lúcida, esclarecida, que não apela a jargões e frases feitas e também não se confunde com brigas e discussões.

Profissionais de saúde com experiência em atendimento às crianças, adolescentes e suas famílias relatam com frequência que a orientação para a superação os problemas do dia-a-dia, e outros mais graves como o alcoolismo, drogas, separação de pais, entre outras, tem sido raras no âmbito familiar, ou seja, espera-se que a chamada resiliência seja ensinada por outras entidades, como se a família fosse pouco mais que a reunião de pessoas sob o mesmo teto. O hábito de dialogar parece estar se perdendo entre as mídias sociais, onde se gasta mais tempo com estranhos que com aqueles próximos, onde se assumem identidades superficiais que discutem temas de momento ou simples “memes” que surgem diariamente.

Assim, assuntos delicados e profundamente humanos que afetam a todos, como o reconhecimento e aceitação de sua própria sexualidade, as características típicas das várias fases do desenvolvimento físico – que muitas vezes atormentam adolescentes que se sentem párias e deslocados, crendo que isso apenas acontece por uma falha pessoal – e as dúvidas sobre comportamentos adequados, distanciam os jovens daqueles que deveriam estar mais próximos intelectualmente, e não apenas fisicamente.

Alguns acontecimentos excepcionais, como é o caso da pandemia em que nos encontramos, necessitam diálogo constante, para que o entendimento correto oriente os ainda em fase de maturação a se desligar de festas, de baladas, de aglomerações. A atitude negacionista de muitos adultos que deveriam servir de modelo, em que pese ser terrível aceitar o horror do distanciamento social, a necessidade do uso da máscara, tudo que o jovem tem como inaceitável, influi para o comportamento rebelde e indisciplinado, que tanto tem auxiliado a propagação da doença.

Cuidar da própria saúde, adquirir resiliência, enfrentar a perspectiva da morte, sua própria e de outrem, não são atividades inatas, são socialmente construídas. É fato sabido que a vaidade é imitativa, em famílias vaidosas todos aprendem a sê-lo, prática de esportes e leituras idem, bons e maus padrões advém do núcleo circunvizinho.

Uma boa conversa, calma e com argumentos racionais, solicitando tranquilidade e uso de argumentação inteligente e não gritos, podem diminuir bastante os conflitos familiares, pois a violência do tom de voz termina muitas vezes chamando a agressão física, e isso desagrega aqueles que deveriam ser os condutores do progresso dos relacionamentos intergeracionais.

Cuidar da autoimagem dos mais jovens, que precisam primeiro respeitar a si mesmo para apreciar os demais, contar a história familiar – com seus bons ou maus personagens – transmite valores, cria laços, sensação de pertencimento que alivia a solidão.

Isolamento não é simples, não é natural este afastamento necessário entre pessoas; desde sempre convivemos proximamente com outros, por questões de defesa, por facilitação da caça e da agricultura. O que também nos define como espécie é sermos “animais sociais”. E atualmente, a angústia dos adolescentes, em fase da vida na qual se iniciam os namoros, flertes, contatos afetivos e a interação com seus grupos, e que devem se manter em relativo isolamento, embora  indispensável para a sua própria sobrevivência e dos demais, intensifica a necessidade de interlocução.

O horror vivido por populações em tempos de guerra, de desastres naturais e pandemias,  deixa um fraco consolo: a noção de que solidariedade e disciplina são condições vitais para as comunidades superarem melhor seus desafios, e ambas dependem muito de nossa capacidade de conversar; esta arte está em desuso, porém é indispensável em situações difíceis.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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