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Ensino público e pandemia: percursos em construção

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Angela Biscouto*

Há quase um ano, os portões de escolas em todo o Brasil se fecharam. Ao mesmo tempo, as fronteiras do ensino se escancararam em iniciativas diversas e potentes, pelas mãos e pés de professores, equipes pedagógicas e de toda a comunidade escolar. E, quando se fala do ensino público, essa resiliência e esse esforço foram fundamentais para que os prejuízos de um ano letivo sem aulas presenciais não fossem ainda mais extensos.

Nas porteiras das fazendas, nos grandes centros ou nas periferias, não faltam relatos de como esse esforço permitiu que os impactos da pandemia fossem, senão minimizados, ao menos mitigados. Em municípios com muitos alunos vivendo na área rural, ouvimos histórias como a do motorista de uma fazenda, que foi colocado à disposição para buscar nas escolas todos os materiais e atividades necessários para que os estudantes daquela região pudessem continuar seu aprendizado. Em outro caso emblemático, uma escola colocou seu modem para o lado de fora e liberou a senha do wifi, de modo que os pais pudessem utilizar a rede da escola para baixar as atividades disponibilizadas pelos professores.

Não foi fácil, como não será simples a retomada. Houve um grande impacto emocional para professores e familiares, restaram muitas mazelas. Mesmo porque o acesso à internet não foi o único problema de equidade enfrentado por esses estudantes. Em um país desigual como é o Brasil, muitas escolas precisaram pensar primeiro como as crianças poderiam se alimentar sem a merenda que antes era garantida diariamente. Viabilizar o acesso a kits de alimentação foi uma preocupação que, em inúmeros lugares, veio antes de qualquer outra questão.

Por outro lado, a pandemia trouxe para perto as realidades das famílias. A escola nunca conheceu tão bem as condições de seus estudantes. Esse conhecimento possibilitou escolher melhor as atividades que realmente trazem benefícios para essas crianças, entender se elas estarão cumprindo essas atividades com acompanhamento ou sozinhas, oferecer caminhos alternativos para a construção dos saberes.

E, por esse ponto de vista, talvez possamos encarar as lacunas que ficaram e ainda ficarão pelo caminho como ricas possibilidades do fazer pedagógico. Não se sabe, ainda, que saberes foram consolidados nos espaços familiares e que saberes não tiveram alcance. Muitas vezes acredita-se que é preciso saber todos os conteúdos acadêmicos e institucionalizados, mas a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nos convoca o olhar para as competências e habilidades, e não apenas dos conteúdos. Por isso, a escola se volta ao alcance dessas competências e começa a reconhecer esse cenário diante do retorno ao trabalho corpo a corpo e olho no olho junto aos alunos.

Ainda é cedo para estabelecer um plano completo de ação, porque primeiro será preciso avaliar em que condições se deu a aprendizagem em 2020. Depois, será preciso avançar junto aos alunos, retomando os saberes não consolidados. E, mais importante que isso, entender que esse não é um processo apenas para 2021. Não é em um ano que se retomam saberes que ficaram, isso só acontecerá no médio e longo prazos, respeitando tempo e condições possíveis.

2021 tampouco será um ano comum. Adaptação e resiliência continuarão fazendo parte do ensino neste ano letivo que se inicia. O sentimento ainda é de incerteza, porque é imprevisível saber como será a estreia de um retorno presencial em meio a uma pandemia. O que conhecemos é a aula presencial sem pandemia e a pandemia sem aula presencial. Agora é o momento de repensar práticas que não eram conhecidas antes de 2020 e que ainda não conhecemos em 2021. A comunidade escolar está imbuída de um compromisso de acolher a todos de uma forma segura e afetiva.

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