Léxico estabelece definições padronizadas que serão usadas para caracterizar variações da bebida, como já ocorre com cafés e vinhos, por exemplo..
A partir de agora, assim como o café e o vinho, o chá-mate também possui um léxico próprio, ou dicionário, contendo atributos, definições e referências para descrever com mais detalhes as caraterísticas sensoriais da bebida. É um trabalho inédito, resultado de um estudo desenvolvido no âmbito do programa Cientista Visitante da pesquisadora da Embrapa Florestas Rossana Catie Bueno de Godoy. Ela teve a orientação do professor Edgar Chambers V, do Sensory and Consumer Research Center da Universidade do Estado do Kansas (K-State), nos Estados Unidos.
“O desenvolvimento de um léxico representa um dos primeiros passos para a melhoria da classificação do chá-mate, e de sua padronização no mercado, ações que irão se refletir na fidelização dos consumidores, que terão condições de escolher produtos de acordo com sua preferência,” afirma a cientista da Embrapa. Ela explica que o léxico do chá-mate é um tipo de dicionário que contém atributos, definições e referências para descrever a cor, o aroma e o sabor do produto.
Para desenvolver o documento, foi montando um painel de julgadores experientes e treinados para percepções sensoriais. O grupo avaliou um conjunto de 18 amostras de chá-mate comercializadas em várias regiões do Brasil, incluindo marcas famosas, regionais, produtos orgânicos e amostras provenientes do programa de melhoramento genético da Embrapa Florestas. Como resultado, foram gerados 39 atributos sobre o chá-mate relativos a aparência, aroma, textura oral e sabor residual.
O chá mate, de maneira geral, foi percebido como um produto de aroma e cheiro amadeirado, sabor adstringente, amargo, adocicado com notas de especiarias (cravo da índia) e de ervas verdes. “Essas características são essenciais para uso em estudos sensoriais em que os dados descritivos estão relacionados às preferências do consumidor e para a realização de estudos em diferentes laboratórios, regiões e países”, esclarece Godoy.
O impacto na cadeia da erva-mate
A expectativa dos pesquisadores é que o léxico do chá-mate revitalize toda a cadeia produtiva da erva-mate. A indústria se beneficiará com a reclassificação de seus produtos. Gerentes de cultivo de erva-mate poderão direcionar a produção de chá tendo como alvo as características desejadas para a bebida. Os fabricantes poderão empregar os atributos para diferenciar produtos, categorizar a matéria-prima, otimizar processos e desenvolver novos produtos.
“Já para os consumidores, os atributos descritos servem para direcionar suas expectativas em relação aos produtos ofertados no mercado. Além disso, o trabalho abre uma ampla frente de pesquisa, na busca por clones que resultem em produtos de melhor aceitação”, explica a pesquisadora.
Variabilidade prejudicial
O chá-mate, bebida oriunda da erva-mate (Ilex paraguariensis) moída e tostada, vem ganhando cada vez mais importância e consumidores, tanto no Brasil como em outros países. A utilidade de seus diversos compostos bioquímicos, com propriedades benéficas à saúde humana, indica um futuro promissor para a cadeia produtiva da erva-mate.
No entanto, algumas etapas de incremento desse mercado precisam ser cumpridas em parceria com a cadeia produtiva, para obter maior valorização dos produtos. Uma dessas fases é a melhoria na classificação da erva-mate. Isso porque existe uma grande heterogeneidade (variabilidade) nos produtos finais o que impede uma melhor identificação de cada chá-mate existente no mercado.
“Por exemplo, encontramos nas prateleiras dos mercados chá-mate de vários tipos, alguns com aroma mais ou menos intenso, sabor acentuado de fumaça ou amargo. Outros ainda apresentam sabor estranho, com coloração e granulometria variada, resultando em diferentes percepções pelo consumidor”, relata Godoy.
As causas da heterogeneidade se relacionam à matéria-prima (uso de diferentes materiais genéticos, por exemplo), à forma de cultivar a planta e às diferenças durante o processamento industrial durante a secagem ou o tempo de armazenamento da erva-mate.
“Na elaboração do chá-mate, a temperatura e o tempo utilizados na etapa de tostagem são de suma importância na formação de aromas, como ocorre no café. Tudo isso vai se refletir no perfil sensorial do produto final. A variabilidade, ainda, gera dificuldade para fidelizar o consumidor, implantar sistemas de rastreamento e para obter selos de certificação, que agregam maior valor ao produto e criam uma identidade específica”, detalha a pesquisadora.
A parceria com os Estados Unidos
De acordo com Catie Godoy, a avaliação das amostras de chá-mate foi conduzida pela equipe treinada do Sensory and Consumer Research Center, que possui experiência em avaliações de cafés, chás e outros produtos alimentícios nos EUA. “Se fôssemos fazer aqui no Brasil, demandaria um tempo maior para o treinamento e protocolo exigidos, além de infraestrutura adequada, que consiste em salas com isenção sonora e aromática e um laboratório para preparo de amostras e padrões. Com isso, houve um ganho de tempo significativo para definição e condução do trabalho”, declara a cientista.
Os quase 40 atributos foram levantados pela equipe treinada em forma de consenso. Para cada atributo foram utilizados os padrões para detecção do nível mínimo e máximo, com várias sessões, incluindo as repetições das
avaliações, de acordo com o protocolo analítico requerido. Finalizada a etapa experimental, os dados foram tratados e submetidos à análise estatística e o artigo com os dados, intitulado Development of a preliminary sensory lexicon for mate tea, foi publicado na revista Journal of Sensory Studies.
Catie Godoy conta que, com esses resultados, será possível seguir com a classificação sensorial, como feita em outras bebidas como café e vinho, para as quais a Embrapa também desenvolve pesquisas semelhantes. “A ideia é usar todas essas informações para ajudar a organizar o setor ervateiro, uma vez que a heterogeneidade dos produtos finais sempre foi um gargalo nessa cadeia produtiva. Muitos problemas de diferenças de lotes acontecem por falta da classificação sensorial dos produtos e para isso é necessário o léxico. A Embrapa está na vanguarda dessa missão,” pontua.
Para continuar os estudos, foi firmado um convênio de cooperação técnica entre a Embrapa e a Universidade Estadual do Kansas, que permite o avanço das pesquisas com bebidas de erva-mate em outros países além de outras pesquisas futuras de comum interesse. (Manuela Bergamim /MTb 1.951/ES – florestas.imprensa@embrapa.br)