Por Wanda Camargo
Podemos dizer que hoje vivemos numa esfera mitológica com elementos reais. A pandemia fechou escolas, empresas, comércio e mudou a forma como vemos o mundo.
Em particular em nosso país é interessante atualizar o significado de Mito, pois temos utilizado a palavra de forma equivocada, e uma análise um pouco menos emocional é indispensável.
Mito costuma ser definido como “narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo”. Ou seja, um Mito não é o outro nome da mentira, como muitas vezes é julgado, porem uma ferramenta poderosa para explicar a realidade. No mito misturam-se história, religião e lendas que existem em toda formação de um povo e podem nos permitir a interpretação de seus valores, seus receios, e formas de entender o mundo.
Mas grandes pensadores, como Foucault, por exemplo, refletem que verdade e saber estão sempre associados às questões do poder. Este parece um bom argumento para o reconhecimento da ciência, pois nela o desejo de conhecimento define as direções dos estudos científicos, estabelecem os objetos aceitáveis, e esquematizam critérios de mensuração e classificação, e representam a vontade de conhecer a verdade.
É, portanto, o desejo de afastar-se do irreal, inerente ao ser humano, que cria e desenvolve a ciência, e o compartilhamento dela traz o progresso, engendrado pelas políticas e princípios econômicos. Assim, o autêntico de cada época não existe fora do poder ou sem o poder, o que nos traz um alerta sobre as fábulas que parecem sobreviver ou até serem criadas em certas etapas da história de cada povo, pois infelizmente algumas delas são criadas não para entender, mas exatamente para falsear o evidente e exercer controle sobre as pessoas.
A Divina Comédia, um dos grandes clássicos da literatura mundial escrita por Dante Alighieri no século XIII, tem três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso, fazendo uma síntese do conhecimento científico e filosófico de sua época; em particular no Inferno destacava as punições e seus motivos para cada tipo de pecado mais frequente, em nove círculos determinados pela gravidade das transgressões. No oitavo estariam os fraudadores, as almas daqueles que fizeram mau uso de suas inteligências ou induziram outros ao engano por discursos não regidos pela moral, pela verdade. Este círculo tenderia à superlotação em nossa era, pois são muitas as narrativas fantásticas a que estamos submetidos, fora de todo e qualquer controle racional.
Afinal, é preciso lembrar que desde meados do século XX difundiu-se a teoria da “Terra Jovem”, que teria sido criada há 6 ou 7 mil, no máximo 10 mil anos atrás, e mais e mais criacionistas e fundamentalistas passaram a aceitar esta premissa, mesmo tendo que encontrar uma maneira de explicar uma enorme quantidade de dados geológicos, as ossadas de dinossauros, os achados arqueológicos cujas datações de carbono superam este tempo, ancestrais de espécies atualmente existentes e outras evidências, e assim as explicações foram reduzidas ao fato da terra ser plana.
Somos imbatíveis na criação de falsos mitos, e embora hoje os chamemos de fake news, respondem a uma solução mágica para nossos problemas, nos remetem a um mundo ideal onde não existe pandemia – que não passa de uma gripezinha – e no qual os inimigos são os diferentes de nós e principalmente os professores e todos os que parecem preferir os estudos e os avanços científicos, em detrimento de verdades criadas conforme a conveniência dos políticos de plantão.
Escolas são cada vez mais necessárias, de forma remota ou presencial, mas sempre atenta ao patrimônio intelectual e cultural de toda a humanidade, educando jovens e crianças para um futuro melhor e com menos falsos ídolos.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.