João Alfredo Lopes Nyegray*
Na atualidade interconectada, não há setor que escape da onipresença da globalização. Seja nas oscilações cambiais afetando os preços da carne, açúcar e arroz; seja na disparada das ações das companhias farmacêuticas que tiveram sucesso na venda de vacinas contra a Covid-19 para governos pelo mundo. Os negócios – ainda que alguns não saibam ou não tenham se atentado a isso – são todos afetados pelo cenário internacional.
Nesse mesmo cenário de negócios internacionais, as condutas criminosas e corruptas não são novidade. Alguns ambientes são reconhecidamente mais arriscados para se internacionalizar, justamente pelos seus níveis elevados de corrupção. Outros tantos grandes executivos já foram julgados e condenados por práticas desleais (Bernie Madoff, inclusive, faleceu na prisão há pouco tempo). Há quase vinte anos, o Código Penal brasileiro foi reformado para tipificar as condutas de corrupção ativa em transação comercial internacional e tráfico de influência em transação comercial internacional.
Enquanto acusações são feitas – e enquanto os destaques a respeito do Covid-19 tomam os noticiários –, ocorridos escusos se passam com pouco ou nenhum destaque. A região de Cabo Delgado, no Norte do país africano lusófono do Moçambique, tem sofrido há pelo menos quatro anos com o horror terrorista causado pelo grupo al-Shabab. O grupo – cujo nome traduz-se para “A Juventude” – diz seguir o quase extinto Estado Islâmico.
A petrolífera francesa Total explorava as ricas reservas de gás natural de Cabo Delgado, após investimentos na casa dos US$ 20 bilhões. Desde março, quando os ataques do al-Shabab se intensificaram, a Total deixou o país; e, em abril, suspendeu projetos que enfraquecem ainda mais a já bastante frágil economia de Moçambique.
Noutra região da África, o Burkina Faso – país de cerca de 16 milhões de pessoas – tem no ouro seu maior produto de exportação. A Suíça é um dos principais destinos do cobiçado metal minerado em Burkina. No mês de abril, graves acusações de tráfico humano envolvendo mineradoras chegaram a poucos noticiários. Muitas das mulheres traficadas vinham da Nigéria, eram forçadamente prostituídas, e cada homem pagava cerca de US$ 2 por uma relação. Sequer é possível encontrar algo a respeito em português.
O questionamento que deve ser feito, considerando os casos ocorridos no Moçambique e em Burkina Faso, é: se os mesmos fatos tivessem ocorrido na Alemanha, França ou Espanha; ou Estados Unidos, e talvez Argentina, quantos veementes protestos teriam circulado nas redes sociais? Quantos filtros de imagens de perfil teriam aparecido, no melhor estilo “Nous sommes Charlie Hebdo”? Dezenas, para falar o mínimo.
É estarrecedora a seletividade de nosso luto. Em um mundo absolutamente interconectado, a proximidade que a tecnologia trouxe parece ter tido um efeito inverso em relação a nosso sentimento de humanidade. No mesmo mês de abril – caótico para Burquinenses e Moçambicanos – a operação Harém da Polícia Federal brasileira prendeu acusados de tráfico de mulheres. No começo do mês de maio, o principal dos acusados teve sua prisão preventiva revogada. Especula-se que outro dos acusados gastava cerca de 200 mil reais por mês para relacionar-se sexualmente com menores de idade.
Se podemos adquirir produtos de qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo a qualquer momento; se podemos ficar sabendo em tempo real de ocorridos do outro lado do planeta; se temos no bolso, na bolsa ou na palma da mão acesso a quase toda informação produzida em séculos de história; talvez não estejamos fazendo bom uso de toda essa comodidade.
Os negócios internacionais ilícitos não são apenas os mais lucrativos, mas também mais frequentes do que os lícitos. Infelizmente, no entanto, preocupa-se pouco com algumas vítimas, cujas faces, nomes ou histórias não apenas não geram manchete como – preocupantemente – não geram empatia. Como percebeu Hannah Arendt, o mal banaliza-se facilmente. A luta contra a corrupção e a criminalidade, também enfraquecida no Brasil, teve um período de luto surpreendentemente curto; mas não menor, no entanto, que a tristeza causada pelos ocorridos em Burkina ou Moçambique…
*João Alfredo Lopes Nyegray, advogado, formado em Relações Internacionais, especialista em Negócios Internacionais, mestre em internacionalização e doutorando em estratégia. É coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo.