Fadiga, dores musculares, dores de cabeça (cefaleia), tontura e até mesmo encefalopatia (distúrbio global do sistema nervoso central, que causa diversos sintomas neurológicos em diversos sistemas cerebrais do paciente) estão entre as principais sequelas de pacientes que tiveram Covid-19
Quatro motivos
De acordo com o médico, pelo menos quatro motivos estão ligados a esse ataque ao cérebro: a disfunção sistêmica, a disfunção do sistema renina-angiotensina, a disfunção imune e a invasão cerebral pelo próprio vírus. “Quanto à disfunção sistêmica (o corpo em sofrimento), durante a doença, o corpo pode sofrer de inúmeras formas, mas uma bem chamativa para os médicos e muito temida pelos pacientes é a dificuldade de oxigenação do corpo, por frequente acometimento dos pulmões! Oxigênio é um alimento insubstituível para o cérebro, então mesmo que ele não seja diretamente atacado pelo vírus, o simples fato de uma menor oxigenação já irá exigir mais trabalho do nosso cérebro”, explica o médico. “No caso da disfunção do sistema renina-angiotensina, aqui entra uma explicação muito complexa. Hoje entendemos que o dano neste importante e natural sistema do nosso corpo gera dificuldades nos vasos (veias e artérias) na sua parte interna (endotélio), o que pode provocar dificuldades de dilatação, maiores chances de formação de trombos e outros. Aqui o cérebro também não é poupado”, destaca o neuro-oncologista. “Com relação à disfunção imune, sabemos que o corpo está inflamado (e muito). Isso acaba de certa forma ‘bombardeando’ nosso cérebro com citocinas e outros fatores pró-inflamatórios, dificultando o trabalho dos neurônios e das células que dão suporte aos neurônios. Muito possivelmente também explica algumas confusões mentais, sonolência, apatia, e até mesmo delírios. Neurologistas acreditam, também, que essa disfunção explica algumas raras doenças neurológicas, como síndrome de Guillain-Barré e outras que costumam ‘caminhar’ juntas durante o processo infeccioso”, explica. E, por fim, no caso da invasão cerebral pelo próprio vírus, isso ocorre e parece ser comum pelos estudos de autópsia, mas, curiosamente, não parece ter relação com a gravidade da doença. “Sendo assim, mesmo que encontremos o vírus no cérebro, isso não diz que o paciente será grave, ou que irá desenvolver danos neurológicos. Aparentemente os outros mecanismos que citei mais acima são bem mais responsáveis por tudo que venha a ocorrer no cérebro”, explica o médico.
Apesar de fazer sentido tentar dividir sintomas neurológicos dos pacientes leves e dos graves, recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) firmou o termo “long covid”, que inclui pacientes com sintomas diversos de duração de semanas ou meses, mesmo quando todo o processo infeccioso já passou. “Dentre os sintomas, podemos citar: fadiga extrema, respiração curta e sensação de falta de ar, dor no peito, dificuldades de memória e concentração, insônia, tontura, formigamentos, dores nas juntas, depressão e ansiedade, alterações na pele, dores de estômago e outros”, explica. “Curiosamente, se o paciente foi mais leve ou mais grave não parece influenciar aqui, até o momento não sabemos identificar com clareza quais pacientes terão sintomas por mais tempo, devemos conseguir identificá-los no futuro com maior precisão conforme estudos forem sendo publicados”, diz o médico.
Mesmo assim, existem sim sintomas mais frequentes nos pacientes graves. “Com certeza a encefalopatia é um deles (presente em 55% dos pacientes graves, e usado como um preditor de desfecho negativo nos pacientes que estão hospitalizados). Dores musculares, dores de cabeça, tontura e fraqueza generalizada puderam ser identificados em cerca de 1/3 dos pacientes na China, Europa e EUA. A famosa redução do olfato (anosmia), possivelmente pela invasão do nervo olfatório pelo vírus e sua inflamação, e as alterações da percepção do sabor (disgeusia) podem chegar a representar 48% dos pacientes, e hoje é vista bem inicialmente no processo infeccioso. Casos mais raros, e bem graves como o acidente vascular cerebral (AVC) e hemorragia cerebral (o AVC hemorrágico), assim como a trombose venosa cerebral (TVC) também podem ocorrer, mas representam apenas 0.4 a 2.7% dos pacientes internados”, explica o médico.
Buscar um equilíbrio
Até o momento não conseguimos prevenir o “long covid” ou vários dos sintomas neurológicos, segundo o Dr. Gabriel. “Apenas podemos dar um suporte direcionado para qual sintoma prevaleça, e qual destes sintomas impacta mais na vida do paciente”, explica o médico, que enfatiza a importância de buscar um equilíbrio por todos os lados, como uma boa alimentação, exercício físico regular, cuidados com a mente (psicoterapias, meditação e outros) e reabilitação das funções que foram prejudicadas, como pulmão. “Isso será imprescindível, e depende quase que absolutamente do paciente, então seja proativo e cuide de você mesmo, enquanto a ciência trabalha para facilitar nossa recuperação pós Covid-19”, afirma.
O neuro-oncologista, que trata casos de tumores cerebrais, diz que alguns sintomas do câncer cerebral são muito semelhantes aos sintomas tardios neurológicos da Covid-19. “Cabe inicialmente alertar que não existe uma forma de rastrear estes pacientes, mas algumas dicas podem ajudar muito: primeiro que os sintomas neurológicos que não estão melhorando ao longo dos dias, semanas ou meses, poderiam ser melhor investigados por um neurologista ou clínico experiente; o segundo ponto é que a fraqueza de um lado só do corpo geralmente indica um dano no cérebro, podendo ser desde um AVC, um sangramento até um tumor, então procure um médico; outro ponto é com relação a convulsões, já que, quando o paciente não está mais no processo de doença, ou quando elas acontecem no momento em que o paciente está com doença muito leve, ela deveria ser investigada por exame de imagem e laboratório, e pode demonstrar alguma outra coisa que não relacionada ao Covid-19. Por fim, por conta do isolamento social, muitos pacientes deixaram de prestar atenção no rastreio oncológico, muitas mulheres fizeram menos mamografias, menos exames ginecológicos de forma geral, e vários pacientes deixaram de investigar uma tosse estranha ou outro sintoma, e isso pode gerar um atraso no diagnóstico e facilitar o surgimento de metástases cerebrais e para outros lugares do corpo. Acredito que devemos prestar muita atenção a este fato num futuro precoce”, finaliza o médico.
FONTE: *DR. GABRIEL NOVAES DE REZENDE BATISTELLA: Médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição. O médico é o representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO).