Luciana Constantino | Agência FAPESP – Recém-nascidos e bebês de até três meses de idade já devem receber estímulos para manusear objetos e observar adultos desenvolvendo tarefas do dia a dia. Esse incentivo ajuda no desenvolvimento social, motor e cognitivo. É o que sugerem pesquisadores em artigo publicado na revista científica Infant Behavior & Development.
O estudo propõe que, desde o nascimento, os bebês assistam cotidianamente os adultos em suas atividades diárias, como, por exemplo, na manipulação de utensílios domésticos. Além disso, também devem ter contato frequente com objetos para que desenvolvam as habilidades de segurá-los e de estender os braços para alcançá-los.
Por meio dessas interações sociais, os bebês conseguem desde os primeiros dias de vida aprender a usar o próprio corpo de maneira funcional e a perceber as relações entre seus movimentos e as consequências no ambiente.
“Apresentamos evidências de que as atividades de imitação e manipulação neonatal estão conectadas e propomos práticas de estimulação baseadas em desenhos experimentais, nas quais os bebês devem ser posicionados de maneira favorável a observar as ações das pessoas. Isso terá impacto na forma como entendem o mundo social e a cadeia de ações possíveis nesse ambiente”, escrevem os pesquisadores no artigo Interweaving social and manipulative development in early infancy: Some direction for infant caregiving.
O trabalho teve apoio da FAPESP no âmbito de convênio com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV).
A pesquisadora Priscilla Ferronato, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Paulista (Unip), primeira autora do trabalho, afirma que o estudo estabelece ligação entre os sistemas social de imitação e o motor de ação manipulativa. “As pesquisas têm demonstrado, desde os anos 1970, que os bebês conseguem copiar expressões faciais logo que nascem. Sugerimos que eles imitam tudo, tanto as expressões como as ações motoras de manipular objetos. Ao ver o adulto usando as mãos, eles copiam e aprendem a usá-las”, disse.
Ferronato explica que, nos primeiros três meses de vida, os bebês, em geral, não conseguem fazer sozinhos movimentos para alcançar objetos. “Os cuidadores normalmente estimulam o uso das mãos a partir do momento em que os bebês aprendem o movimento de alcançar objetos. Nossa proposta é o contrário: incentivar no período em que eles ainda não conseguem”, disse.
No artigo, os pesquisadores fizeram uma revisão de estudos e perspectivas teóricas e apresentaram a nova abordagem como alternativa para compreender a imitação e as atividades manuais.
As sugestões estão baseadas na reprodução de cenários simples e de fácil adaptação, que replicam situações experimentais de estudos clássicos do desenvolvimento infantil.
Um dos exercícios propostos é o de colocar nas mãos da criança um objeto com textura lisa. Em seguida, acrescentar rugosidade à superfície para que ela sinta a diferença na forma de agarrar. Outra sugestão é oferecer um dedo para o bebê segurar e, quando ele conseguir, sorrir para que haja a associação do toque com o estímulo visual.
Mais uma atividade proposta é, em um ambiente com baixa luminosidade, colocar um feixe de luz (com uma lanterna ou o celular) atravessando horizontalmente o bebê na altura do peito para que ele tente controlar os braços ao buscar o feixe de luz.
“O nosso objetivo final é levar essas informações não só a professores de creche para aplicação prática, mas também aos pais, já que, geralmente, os bebês estão em casa nesse período. A maioria dos pais não tem ideia de que os bebês são capazes de aprender logo nos primeiros meses de vida”, disse Ferronato.
Na pesquisa Primeiríssima Infância – Interações: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos, publicada em 2020 pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 21% dos pais entrevistados disseram que as crianças começam a aprender a partir dos seis meses de idade, e outros 21%, de um ano em diante. Dos 58% que responderam que os bebês aprendem ainda no útero ou logo após nascer, a maioria tem ensino superior e renda mais alta.
Desenvolvendo habilidades
No Brasil, a Lei 13.257/2016 define a primeira infância como o período que abrange os primeiros seis anos completos da criança. Mas pesquisadores e entidades já utilizam o que chamam de “primeiríssima infância”, até os três anos. Nessa faixa etária estão cerca de 10 milhões de crianças no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2019.
Ainda antes desse período, os primeiros mil dias de um bebê (da gravidez até os dois anos) são considerados os mais importantes do desenvolvimento físico e mental do ser humano, podendo determinar inúmeros fatores da vida adulta. Conhecido como “intervalo de ouro”, é também marcado pela grande plasticidade cerebral, sendo muito favorável para situações de aprendizagem.
Em fevereiro, a FAPESP lançou o Centro Brasileiro para o Desenvolvimento na Primeira Infância, em parceria com a FMCSV e com sede no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo.
Entre os seus objetivos estão a realização de pesquisa na área de mensuração do desenvolvimento da primeira infância (DPI) e a integração de dados de DPI registrados por diferentes fontes, além de oferecer cursos e oficinas (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/35128/).
O artigo Interweaving social and manipulative development in early infancy: Some direction for infant caregiving, de Priscilla Ferronato, Briseida Resende e Edison de Jesus Manoel, pode ser lido em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0163638321000394?via%3Dihub.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.