Estudo publicado no começo de agosto na Cell Reports destaca que o açúcar em demasia na dieta pode tornar centrais de energia celulares (as mitocôndrias) menos eficientes, reduzindo a produção de energia. Fadiga e cansaço, então, podem ser sinais iniciais de doenças metabólicas
A Organização Mundial da Saúde orienta que as pessoas consumam 50g de açúcar ao dia, não mais que 10% das calorias. Porém, dados do Ministério da Saúde, relatam que o brasileiro consome em média 80g de açúcar ao dia, portanto quase o dobro do máximo recomendado. E isso não é bom por uma série de motivos, mas um estudo recente publicado na Cell Reports em agosto destaca que o excesso de açúcar na dieta faz as mitocôndrias, organelas centrais da célula responsáveis pela produção de energia, perderem eficiência e reduzindo a produção de energia. “A hiperglicemia (elevado nível de glicose no sangue) afeta mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Em nível celular, o estudo enfatizou que o açúcar em demasia na dieta afeta a integridade da mitocôndria, considerada o pulmão celular. Esse trabalho mostra que os eventos metabólicos iniciais como fadiga e cansaço podem contribuir para o desenvolvimento do diabetes”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). “Portanto todos deveríamos observar e consumir com muita moderação alimentos e líquidos que levam açúcar”, acrescenta a médica.
Embora esse consumo excessivo seja conhecido por contribuir para o diabetes tipo 2 e outros distúrbios, as maneiras exatas pelas quais comer muito açúcar prepara o cenário para doenças metabólicas em nível celular são menos claras, mas o estudo ajudou a elucidar a questão. “O corpo precisa de açúcar, ou glicose, para sobreviver, mas isso deve ser feito com moderação, uma vez que o excesso de glicose nas células, que está diretamente ligado à quantidade de açúcar consumido na dieta, afeta a composição lipídica em todo o corpo, o que, por sua vez, afeta a integridade das mitocôndrias. O efeito geral é a perda da função ideal”, acrescenta. “É possível estender os resultados do estudo para explicar, também, porque muitas pessoas se sentem fadigadas e cansadas quando sua alimentação está desregulada, com excesso de carboidratos e açúcares, por algum tempo”, explica a médica.
O estudo mostrou que o excesso de glicose reduz a concentração de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) na membrana mitocondrial e torna as mitocôndrias menos eficientes. “Esses ácidos graxos poli-insaturados são atores vitais no suporte da função mitocondrial e na mediação de uma série de outros processos biológicos, como inflamação, pressão sanguínea e comunicação celular. Com isso, o excesso de glicose é sintetizado em uma forma diferente de ácido graxo que não é tão eficiente ou flexível quanto os ácidos graxos poli-insaturados. Isso altera a composição lipídica da membrana e pressiona as mitocôndrias, danificando-as e afetando seu desempenho”, explica a médica.
O estudo mostrou que foi possível, em camundongos, reverter esse efeito prejudicial, quando a alimentação com uma dieta cetogênica com baixo teor de açúcar foi adotada, o que sugere que a redução da glicose e a restauração da composição lipídica da membrana normal oferece suporte à integridade e à função mitocondrial saudáveis. “Eles também descobriram que consumir carboidratos em excesso reduz o efeito benéfico dos suplementos de ômega-3, por exemplo. Embora nem sempre possamos notar a diferença no desempenho mitocondrial imediatamente, nossos corpos percebem”, destaca. “Se o equilíbrio lipídico for prejudicado por muito tempo, podemos começar a sentir mudanças sutis, como o cansaço mais rápido. Embora o estudo não ofereça recomendações médicas, ele ilumina os estágios iniciais da doença metabólica e fornece insights que podem moldar prevenção futura e esforços terapêuticos”, diz a Dra. Marcella.
Segundo a médica, educar o paladar é o primeiro passo para reduzir o consumo de açúcar. “Devemos diminuir a quantidade ou abandonar o hábito de adicionar açúcar para adoçar os líquidos como chás, cafés e sucos. Depois disso, reduzir o consumo de alimentos industrializados, principalmente os ultraprocessados, como salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, sucos de caixinha e refrigerantes, também ajuda. Na sequência procurar matar a vontade de doces com alimentos e produtos sem açúcar adicionado como frutas frescas e secas ou aqueles com menos açúcar como os chocolates com maior concentração de cacau, 60% ou mais”, finaliza a médica nutróloga.
FONTES:
*DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. CRM-PR 12559 e RQE 16019.