Por Wanda Camargo*
Os estudantes dividem-se, grosso modo, entre os privilegiados que possuem acesso pleno a várias modalidades de adquirir conhecimento, como escolas com excelente infraestrutura, viagens, cursos extras de idiomas ou música, equipamentos e programas de informática, e aqueles de menor poder aquisitivo, que estudam em escolas com poucos computadores, conexão de má qualidade à internet, bibliotecas precárias (quando existem), falta de laboratórios para suas várias disciplinas, e que muitas vezes não dispõem sequer de um aparelho celular, ou o dividem com irmãos e ocasionalmente os próprios pais.
Desde a implementação da Constituição Federal de 1988, a reponsabilidade de oferecimento da educação cabe à União, aos estados e aos municípios, com isso o impacto sobre as entidades mais próximas a estudantes e professores cresceu, e a responsabilidade pela implementação das políticas públicas, como mecanismos de redistribuição de recursos, como o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), e muitos outros passaram a ter importância maior e mais visível para todos.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instrumento relevante, sofre alguns ataques ideológicos, por parte de pessoas que na verdade pouco entendem de educação; porém bem coordenada pode gerar melhorias significativas, dado que o acesso à educação básica no país foi ampliado nos últimos anos, atingindo quase a universalidade da oferta dos anos iniciais do ensino fundamental, embora repetência, distorções de idade e a melhoria da qualidade ainda estejam longe de serem atingidas. A colocação da pandemia dentro de uma discussão puramente ideológica, em que negacionistas, malucos, educadores mais inclinados a esta ou aquela visão de mundo colocou o sistema escolar dentro de uma guerra de versões e narrativas em que a comunidade pouco lucrou e, ao contrário, muitas vezes não sabia o rumo a tomar.
No século XVIII, como consequência tardia do Renascimento e das Reformas protestantes, surgiu o Iluminismo, movimento intelectual e filosófico que preconizava a prevalência da ciência e da racionalidade sobre o dogmatismo religioso e sua justificação de sistemas políticos centralizadores. Nos séculos XIX e XX desenvolveu-se o reinado da ciência, tecnologia e o florescimento da racionalidade, a separação entre Estado e Igreja, a compreensão por meio da lógica, que parecia conduzir a um mundo mais estável e ordenado. No entanto, neste momento Estados e religiões tentem voltar a misturar-se perigosamente, com a religião deixando o espaço íntimo em que tem sua razão de ser – ao contribuir para o bem-estar e um sistema ético de estar no mundo -, e esteja novamente querendo inserir-se no sistema político e educativo, pretendendo ser a melhor pedagogia sem o conhecimento real da área e suas necessidades. Em função disso, preconiza-se o ensino doméstico, necessário em alguns casos de doenças ou instituições escolares muito distantes, mas não recomendável sempre, já que conviver entre iguais é relevante no processo de aprendizagem, e nem todos os pais tem vocação para o magistério.
Militarizar escolas é outro erro comum, que certamente levará a um mal resultado, como já estamos assistindo em casos de confusão entre disciplina e subserviência, pois nem todos os militares estão preparados para ser professor, ensinar obediência não é o mesmo que desenvolver criatividade e inovação.
A verdade é que equipar escolas com o necessário para um bom ensino seria mais barato e eficiente que inventar a pólvora a cada ideia “luminosa” de pessoas totalmente desconhecedoras do processo de ensino-aprendizagem podem ter a cada semana. Educadores são necessários, metodologias de ensino são aperfeiçoadas constantemente, e nada como uma escola de qualidade para o desenvolvimento de um país. Bom ensino depende de bons professores, mas também de investimentos, dois fatores essenciais.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.