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O adoecimento das crianças e a ótica do Estado

Por Wanda Camargo

A inserção de um conjunto de ações que visam o cuidado, a proteção e o tratamento de crianças e adolescentes que apresentem um processo de adoecimento psíquico é algo bastante recente no âmbito da política pública de saúde mental brasileira.

Tratamento de jovens não existiu por muito tempo nas instituições psiquiátricas; crianças e adultos costumavam ser atendidos juntos, sem muita distinção para a diferença de faixa etária, sendo todos objetos da mesma indiferença ou até agressão.

Dados históricos mostram que já a partir de 1817 uma enfermaria para doentes mentais, funcionando numa Santa Casa de Misericórdia de Minas Gerais, com pessoas desde a mais tenra infância até idosos, misturava seus pacientes e ministrava a todos o mesmo tratamento, mesmo quando esses fossem absolutamente inapropriados pelo conhecimento que temos hoje sobre esta população. Apenas depois de 1900, especificamente no Manicômio Judiciário de Barbacena, é que temos pela primeira vez no país um pavilhão destinado a jovens “delinquentes e anormais”, e inclusive separados por sexo, o que constituiu um avanço para a época.

No entanto, é preciso registrar que moças consideradas “namoradeiras” ou vítimas de estupro e “desonradas”, muitas delas crianças sem responsáveis diretos, órfãs ou abandonadas, assim como homens em situação de rua, foram encaminhados a esta instituição como forma de resolver estas situações, tirando-os dos olhos do público.

Ou seja, a política higienista prevalecia, sendo a segregação a grande solução, o recolhimento de menores ou maiores de idade desadaptados e considerados pervertidos, tratados em quartos acolchoados, recebendo eletrochoques, sedação e amarração em camisas de força ou cordas quanto considerado necessário.

Assim, praticamente inexistem dados sobre crianças diagnosticadas como insanas, e pesquisadores as classificam atualmente como “invisíveis” nas políticas públicas. Evidentemente famílias ricas tinham o recurso do colégio interno, muitas vezes até fora do país, na esperança de que o regime draconiano de muitas iriam domesticar seus filhos rebeldes, porém nas menos abastadas a internação em instituições manicomiais parecia ser uma solução viável para docilizar temperamentos selvagens.

A grande maioria das crianças institucionalizadas parece corresponder àquelas inadequadas aos ideais da sociedade e do Estado, mesmo as que viviam nas ruas, eram extremamente pobres, ou cuja cor de pele as marcavas como indesejadas. Famílias organizadas de formas não padronizadas poderiam ter seus filhos e tutelados arrancados de seu convívio sob o olhar conivente do próprio Estado, por ameaça ao modelo tradicional de família.

Em 1927, com o promulgação do Código de Menores, o país recebeu um texto de lei voltado aos menores, incipiente porem significativo da tentativa de um olhar mais dedicado, e em 1941 o governo brasileiro criou o Serviço de Assistência ao Menor, com o objetivo de execução de uma política nacional de assistência, criando as Escolas de Reforma para “recolher, abrigar e reeducar os menores”; a finalidade era ainda de afastar das ruas e domar os perigosos por meio da reclusão. A iniciativa, claro, fracassou, e para substitui-la, durante a vigência da ditatura militar foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, ainda mais autoritária, que, nos âmbitos estaduais propiciaram o aparecimento das Fundações do Bem-Estar do Menor (FEBEM), gerenciadas por política nacional, com o plano de abarcar recursos para que a reeducação (ou o que se considerava que isso seria) pudesse acontecer. Cada vez mais violenta, segregadora e fechada, tentava oferecer educação e esportes sem contato com o restante da sociedade.

Do mundo do trabalho, por considerar-se que estes jovens seriam intelectualmente limitados ou absolutamente desinteressados, poucas atividades além das mais básicas foram apresentadas, e os registros das origens dos internados, com descaso inclusive com seus nomes e dados pessoais, dificultam hoje pesquisas melhores sobre os motivos do malogro de mais esta iniciativa.

Apesar disso, se diz que a Febem foi incapaz de mudar esses jovens, pois foi por eles transformada.

Hoje parecemos estar trilhando outros caminhos, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, instituições que visam substituir os antigos hospícios ou manicômios, e de seus métodos para tratar crianças, adolescentes e suas famílias, inclusive problemas decorrentes do alcoolismo ou drogadição. Isso é indício de tempos melhores para uma questão dolorosa e muito séria para nosso e outros países, aparentemente estamos aprendendo.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

 

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