Por Wanda Camargo*
A palavra caridade deriva do latim “carus” que tem o significado de caro, querido. Caridade é considerada pelo cristianismo como uma das três virtudes teologais, junto à fé e esperança, aquelas que ligariam mais fortemente o homem à divindade. Também no islamismo, judaísmo e muitas outras religiões a caridade ocupa lugar de destaque nas qualidades esperadas dos fiéis.
Associado idealmente à compaixão e empatia, o conceito sofre com certa frequência a contaminação do orgulho e arrogância, o ato de dividir com outros mais necessitados de alimento, abrigo, atenção, aquilo que se tem talvez em abundancia torna-se modo de humilhação e controle. Como se aquele que necessita fosse absolutamente inferior ao que pode ajudá-lo, a necessidade vista como demérito e a não-necessidade como qualidade moral. Embora em alguns casos o carente deva a própria carência ao comportamento ou escolhas, nem sempre isso é verdade, e não cabe ao caridoso julgar, se considerá-lo não merecedor de sua ajuda deve apenas não ajudar ao invés de acompanhar a doação com exortações bem-intencionadas a atitudes inviáveis.
Alcoolismo e drogadição são doenças graves e de pouco adianta aconselhar o doente a “não gastar com bobagem” junto à esmola de algumas moedas. A pobreza é uma questão conjuntural quando grupos familiares vem de situações com pouco acesso cultural e a escolas de boa qualidade ao longo de gerações; muito poucos conseguem escapar deste ciclo perverso que perpetua a impossibilidade de ganhar condignamente sua vida.
São comuns os casos em que a pessoa caridosa se queixa amargamente de que aqueles a quem ajuda são “mal-agradecidos”. Certamente espera ser canonizada pelo seu ato e sequer olha com alguma atenção os infelizes a quem ajuda, não percebe o sofrimento e a humilhação em que muitos estão imersos, não apreende muito do que está fora de si mesmo.
Houve um professor(!) que a um pedido de esclarecimento de aluna com deficiência visual acerca de algo que ele havia falado – e ela não conseguiu acompanhar pela sua impossibilidade de visão – cometeu a pérola: “vou fazer minha caridade”; além de cruel a brincadeira é totalmente descabida também porque responder perguntas em aula é parte de sua profissão.
O desenvolvimento da sociedade humana evidentemente precisa da redução progressiva de tudo que nos opõe uns aos outros, e não por coincidência este é o ideal da caridade. Esta é mais que tolerância, que pode conviver com muros e barreiras entre as pessoas, enquanto que a caridade, mais audaciosa, precisaria da progressiva eliminação dos muros que nos afastam, nos deixam uns maiores e outros menores.
Difícil, complexa, a trajetória que tenta eliminar o litígio entre diferentes credos, diferentes formas de comportamento, diferentes cores de pele, diferentes capacidades físicas, diferentes nacionalidades, implica em paciência e modéstia, distância das paixões fanáticas. Conviver com o dessemelhante é indispensável para aprender e amadurecer, e por isso um bom sistema educacional tende a desenvolver a inclusão como meta básica.
Olhar para o Outro, não apenas em sua capacidade intelectual, que nos lega conhecimento de geração em geração, que nos permite construir uma sabedoria assentada em bases firmes e já testada pelos que vieram antes ou são especialistas naquilo que ainda não tínhamos estudado, mas também em seus valores e bons hábitos, encurta nosso percurso até ao juízo e prudência.
O bom professor não deve ser preconceituoso, se assim o for negará a essência mesma da aprendizagem; a caridade somente será verdadeira se vier acompanhada de uma profunda compreensão dos demais e suas necessidades, do reconhecimento de nossas próprias limitações e das alheias.
Muitos confundem ser caridoso com frequentar cultos religiosos ou abrir mão do que é supérfluo, mas isso é parte mínima do verdadeiro sentido da empatia, amar ao próximo nunca foi tarefa simples.
*Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.