Luiz Gustavo de Andrade, mestre em Direito e professor do UniCuritiba
Na รบltima quinzena, as redes sociais foram tomadas por inรบmeras crรญticas ao ex-apresentador do programa Flow, conhecido como Monark. A discussรฃo se deve ao fato dele ter defendido a criaรงรฃo de um partido nazista. Na ocasiรฃo, Monark foi apoiado pelo Deputado Federal Kim Kataguiri. Para o apresentador, mais do que o direito a integrar um partido nazista, em suas palavras, โse o cara quiser ser um anti-judeu, ele tinha que ter direito de ser”.
A anรกlise jurรญdica desta conduta passa, necessariamente, pela compreensรฃo de questรตes histรณricas. Quando se fala em nazismo ou em partido nazista, a Histรณria nos remete ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemรฃes, movimento polรญtico-ditatorial e totalitรกrio, chefiado por Adolf Hitler e que se desenvolveu na Alemanha, em especial a partir da dรฉcada de 20, tendo exercido o poder antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
A ideologia nazista tinha por caracterรญsticas, dentre outras, o uso da propaganda como meio de controle da populaรงรฃo e o antissemitismo, ou seja, o รณdio aos judeus, a quem Hitler atribuรญa a culpa por vรกrios problemas, inclusive econรดmicos, pelos quais a Alemanha passava. Com um discurso eugenista de superioridade do homem branco germรขnico, da raรงa ariana, o nazismo foi responsรกvel pela morte de milhรตes de judeus durante o perรญodo conhecido como Holocausto. Tambรฉm torturou e matou negros, homossexuais e opositores.
Portanto, a defesa da criaรงรฃo de um partido nazista significa a alegaรงรฃo da criaรงรฃo de um movimento polรญtico com tais caracterรญsticas, ficando clara a posiรงรฃo do apresentador quando este afirma que a pessoa tem o direito de ser anti-judeu. Ora, estรก-se, entรฃo, a fazer apologia ร criaรงรฃo de um movimento com o objetivo de se opor e perseguir judeus.
Repรบdio
Nรฃo ร toa que associaรงรตes judaicas, instituiรงรตes ligadas aos Direitos Humanos, polรญticos de diversos partidos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e diplomatas alemรฃes repudiaram as declaraรงรตes, tendo o Procurador-Geral da Repรบblica Augusto Aras determinado a apuraรงรฃo da prรกtica de crime de apologia ao nazismo.
Praticar, induzir ou incitar a discriminaรงรฃo ou preconceito de raรงa, cor, etnia, religiรฃo ou procedรชncia nacional รฉ crime, segundo a Lei 7.716/89, sendo proibida a propaganda que utilize a cruz suรกstica para fins de divulgaรงรฃo do nazismo.
A Constituiรงรฃo, em seu art. 3ยฐ, inciso IV, estabelece como um objetivo fundamental da Repรบblica โpromover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raรงa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminaรงรฃoโ. Defender o nazismo, portanto, รฉ propagar o desrespeito a valores constitucionais essenciais de um Estado Democrรกtico de Direito.
Responsabilidade
Ao contrรกrio do que os defensores do apresentador possam argumentar, a conduta nรฃo estรก protegida pela liberdade de expressรฃo. A liberdade de expressar ideias, pensamentos e opiniรตes nรฃo รฉ absoluta e o STF, em mais de uma oportunidade, deixou isso claro.
No julgamento da Arguiรงรฃo de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que declarou inconstitucional a antiga Lei de Imprensa, o STF consignou que โDo dever de irrestrito apego ร completude e fidedignidade das informaรงรตes comunicadas ao pรบblico decorre a permanente conciliaรงรฃo entre liberdade e responsabilidadeโ.
Cumpre recordar ainda o caso Ellwanger (HC nยบ 82.424) em que o parecer relata o antissemitismo como crime da prรกtica do racismo. Na ocasiรฃo, apรณs amplo debate, o STF acabou por entender que – ponderadas liberdades de expressรฃo e dignidade da pessoa humana – nรฃo se poderia admitir a publicaรงรฃo de obra que ofendesse a dignidade da sociedade judaica, de modo que obra literรกria de carรกter discriminatรณria deveria, sim, ser proibida, predominando o direito da coletividade em ser respeitada como tal.
Afinal, a Constituiรงรฃo nรฃo prevรช carรกter absoluto a direito algum, nem mesmo ao direito ร vida. Resta claro que nรฃo poderia conceber a liberdade de expressรฃo com amplitude tamanha, a admitir que se propaguem pronunciamentos voltados a instigar movimentos discriminatรณrios e racistas.
Como dito, defender o nazismo รฉ propagar o desrespeito a valores constitucionais essenciais de um Estado Democrรกtico de Direito. E foi exatamente isso que ocorreu na, juridicamente reprovรกvel, manifestaรงรฃo do apresentador Monark que caracteriza, sim, conduta ilรญcita e inconstitucional.
Luiz Gustavo de Andrade รฉ mestre em Direito, professor de Direito do UniCuritiba e membro fundador do Instituto Mais Cidadania
Na รบltima quinzena, as redes sociais foram tomadas por inรบmeras crรญticas ao ex-apresentador do programa Flow, conhecido como Monark. A discussรฃo se deve ao fato dele ter defendido a criaรงรฃo de um partido nazista. Na ocasiรฃo, Monark foi apoiado pelo Deputado Federal Kim Kataguiri. Para o apresentador, mais do que o direito a integrar um partido nazista, em suas palavras, โse o cara quiser ser um anti-judeu, ele tinha que ter direito de ser”.
A anรกlise jurรญdica desta conduta passa, necessariamente, pela compreensรฃo de questรตes histรณricas. Quando se fala em nazismo ou em partido nazista, a Histรณria nos remete ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemรฃes, movimento polรญtico-ditatorial e totalitรกrio, chefiado por Adolf Hitler e que se desenvolveu na Alemanha, em especial a partir da dรฉcada de 20, tendo exercido o poder antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
A ideologia nazista tinha por caracterรญsticas, dentre outras, o uso da propaganda como meio de controle da populaรงรฃo e o antissemitismo, ou seja, o รณdio aos judeus, a quem Hitler atribuรญa a culpa por vรกrios problemas, inclusive econรดmicos, pelos quais a Alemanha passava. Com um discurso eugenista de superioridade do homem branco germรขnico, da raรงa ariana, o nazismo foi responsรกvel pela morte de milhรตes de judeus durante o perรญodo conhecido como Holocausto. Tambรฉm torturou e matou negros, homossexuais e opositores.
Portanto, a defesa da criaรงรฃo de um partido nazista significa a alegaรงรฃo da criaรงรฃo de um movimento polรญtico com tais caracterรญsticas, ficando clara a posiรงรฃo do apresentador quando este afirma que a pessoa tem o direito de ser anti-judeu. Ora, estรก-se, entรฃo, a fazer apologia ร criaรงรฃo de um movimento com o objetivo de se opor e perseguir judeus.
Repรบdio
Nรฃo ร toa que associaรงรตes judaicas, instituiรงรตes ligadas aos Direitos Humanos, polรญticos de diversos partidos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e diplomatas alemรฃes repudiaram as declaraรงรตes, tendo o Procurador-Geral da Repรบblica Augusto Aras determinado a apuraรงรฃo da prรกtica de crime de apologia ao nazismo.
Praticar, induzir ou incitar a discriminaรงรฃo ou preconceito de raรงa, cor, etnia, religiรฃo ou procedรชncia nacional รฉ crime, segundo a Lei 7.716/89, sendo proibida a propaganda que utilize a cruz suรกstica para fins de divulgaรงรฃo do nazismo.
A Constituiรงรฃo, em seu art. 3ยฐ, inciso IV, estabelece como um objetivo fundamental da Repรบblica โpromover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raรงa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminaรงรฃoโ. Defender o nazismo, portanto, รฉ propagar o desrespeito a valores constitucionais essenciais de um Estado Democrรกtico de Direito.
Responsabilidade
Ao contrรกrio do que os defensores do apresentador possam argumentar, a conduta nรฃo estรก protegida pela liberdade de expressรฃo. A liberdade de expressar ideias, pensamentos e opiniรตes nรฃo รฉ absoluta e o STF, em mais de uma oportunidade, deixou isso claro.
No julgamento da Arguiรงรฃo de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, que declarou inconstitucional a antiga Lei de Imprensa, o STF consignou que โDo dever de irrestrito apego ร completude e fidedignidade das informaรงรตes comunicadas ao pรบblico decorre a permanente conciliaรงรฃo entre liberdade e responsabilidadeโ.
Cumpre recordar ainda o caso Ellwanger (HC nยบ 82.424) em que o parecer relata o antissemitismo como crime da prรกtica do racismo. Na ocasiรฃo, apรณs amplo debate, o STF acabou por entender que – ponderadas liberdades de expressรฃo e dignidade da pessoa humana – nรฃo se poderia admitir a publicaรงรฃo de obra que ofendesse a dignidade da sociedade judaica, de modo que obra literรกria de carรกter discriminatรณria deveria, sim, ser proibida, predominando o direito da coletividade em ser respeitada como tal.
Afinal, a Constituiรงรฃo nรฃo prevรช carรกter absoluto a direito algum, nem mesmo ao direito ร vida. Resta claro que nรฃo poderia conceber a liberdade de expressรฃo com amplitude tamanha, a admitir que se propaguem pronunciamentos voltados a instigar movimentos discriminatรณrios e racistas.
Como dito, defender o nazismo รฉ propagar o desrespeito a valores constitucionais essenciais de um Estado Democrรกtico de Direito. E foi exatamente isso que ocorreu na, juridicamente reprovรกvel, manifestaรงรฃo do apresentador Monark que caracteriza, sim, conduta ilรญcita e inconstitucional.
Luiz Gustavo de Andrade รฉ mestre em Direito, professor de Direito do UniCuritiba e membro fundador do Instituto Mais Cidadania