Jacir Venturi
O Programa Universidade para Todos (ProUni) nada mais é do que uma renúncia fiscal por parte do Tesouro Nacional, reduzindo ou isentando o pagamento, pelas Instituições Privadas de Ensino Superior, de quatro tributos: IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. A bem da verdade, trata-se de uma permuta com bolsas de estudos. Além dos requisitos socioeconômicos, a meritocracia também é contemplada, pois o candidato se obriga a alcançar um mínimo de 450 pontos nas provas do Enem, numa escala que vai até 1.000. Quanto maior a nota, maior a chance de ganhar a bolsa de estudos.
Entre 2005 e 2020, o ProUni abriu as portas do Ensino Superior para 2,8 milhões de jovens. Em 2021, foram 10.821 cursos em 952 Instituições Privadas de Ensino Superior que oferecem descontos de 50% ou 100% pelo programa em epígrafe. Na média, significa uma bolsa para cada 10,7 alunos pagantes. É um contingente significativo, pois 75,2% das matrículas do nosso Ensino Superior estão nas faculdades particulares, o que corresponde a 6,72 milhões de universitários.
Mas um fato absolutamente relevante está ocorrendo no primeiro trimestre de 2022: 56,8% das vagas do ProUni não foram preenchidas, conforme estudos da respeitada ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior). Evidentemente, essa ociosidade incide essencialmente em cursos menos concorridos como as licenciaturas, jamais em Medicina, por exemplo. Some-se a isso uma queda significativa de participantes no último Enem (apenas 2,1 milhões contra 5,8 milhões em 2016). Destarte, muito menos candidatos elegíveis às vagas disponíveis, o que restringe o potencial desse programa de 17 anos e elevado alcance social.
Diante dessa realidade, o Presidente Bolsonaro sancionou a Lei 14.350/22, que estende os benefícios do ProUni ao remover a exigência de que os candidatos tenham cursado o Ensino Médio integralmente em colégios públicos (ou, para uma minoria, que tenha obtido bolsa integral em colégios particulares). Assim, a partir de 16/07/22, todos os ingressantes em faculdades particulares cadastradas ao programa e não filantrópicas, desde que tenham alcançado 450 pontos no Enem e não zerado em redação, podem concorrer a uma bolsa integral se a renda familiar per capita for de até 1,5 salário-mínimo (SM); e meia bolsa para os discentes com renda familiar per capita entre 1,5 SM e 3 SM. “A inclusão dos egressos do Ensino Médio privado é meritória, na medida em que não se muda o critério socioeconômico de renda e pouco afeta o potencial quantitativo a mais de vagas que podem ser preenchidas”, justificou o relator da Medida Provisória, deputado Átila Lira (PP-PI).
Por décadas, foi elevada a pressão da sociedade por mais vagas no Ensino Superior diante da realidade de que as universidades públicas não poderiam atender ao enorme contingente de concluintes do Ensino Médio, enquanto – de acordo com o INEP – havia em 2003 cerca de meio milhão de vagas ociosas nas faculdades particulares. Um ecossistema propício a um novo programa que contemplasse uma parceria com as entidades privadas de Ensino Superior. Lembro-me bem de uma tarde de maio de 2004, na qual atendemos o deputado federal Irineu Colombo (PT – PR), em uma reunião no Sinepe/PR (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná), quando – com o zelo de quem manuseia uma joia –, retirou da sua pasta duas folhas de papel. Ali estava uma minuta do que seria o embrião do ProUni.
O setor educacional do Paraná deu uma importante contribuição à minuta, interpondo sugestões, ofertando assistência jurídica e intermediando a adesão de outros deputados e autoridades. Depois de muitas negociações com os ministros da Educação e da Fazenda, no governo do Presidente Lula, a versão aprimorada daquela minuta se converteu no PL 3.582, do qual o deputado Irineu Colombo foi o relator. O então ministro Aloizio Mercadante defendeu o investimento indireto como sendo “um custo bem mais barato do que se fôssemos criar vagas novas em uma Universidade Federal”. Na época, em uma das reivindicações não fomos atendidos: a de que, como só agora finalmente se realiza, o ProUni abarcasse todos os alunos com renda familiar per capita de até 1,5 SM, independentemente de serem egressos de escola pública ou privada, com ou sem bolsa.
Investir em educação é uma das principais prioridades de uma nação, como bem corrobora pesquisa global (encomendada pelo HSBC, em 2018), na qual 79% dos pais brasileiros dizem considerar como o melhor investimento que podem fazer é propiciar um ensino de qualidade para os filhos. Trata-se do maior percentual entre todos os 15 países pesquisados, entre eles Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá, França, México. Sim, o estudo é o melhor investimento para a ascensão social, pois só se perde com a loucura ou com a morte, como bem ensina a sabedoria popular.
E relevante é lembrar de outra sugestão há muitos anos acalentada e que merece o debate entre sociedade civil, congressistas e governo: o ProBásico, um programa que seria similar ao ProUni, com o mesmo tipo de renúncia fiscal e com o potencial de atender centenas de milhares de alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio, com especial ênfase para os cursos técnicos profissionalizantes. Se é uma experiência tão bem-sucedida no Ensino Superior, ratificada por quase duas décadas de ótimos resultados, por que não replicar o modelo também para a Educação Básica, que concentra grande parte das graves mazelas do ensino no Brasil?
Jacir J. Venturi, professor aposentado da UFPR; foi professor e coordenador da PUCPR e da Universidade Positivo; também foi presidente do Sinepe/PR (que congrega cerca de 1.800 escolas particulares do Paraná).